20.2.22

Falta-nos futuro

 


«Não há propriamente surpresa nos números, mas o primeiro retrato em larga escala das práticas culturais dos portugueses permite-nos uma análise profunda aos consumos e às clivagens por idade, escolaridade ou nível de rendimentos económicos.

Promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, o estudo mostra que o cinema é o meio que cativa mais público, seguido de festivais e festas locais. Dança ou teatro atraem poucos jovens, e a falta de valorização do livro é transversal: nos 12 meses anteriores ao inquérito, 61% dos portugueses não leram um único livro. Entre os restantes que o fizeram, a maioria leu muito pouco.

Claro que há inúmeros fatores, desde o contexto familiar às condicionantes financeiras, que ajudam a explicar estes números. Mas é inevitável, tanto como trabalhar nas causas e nas ações para a mudança, refletir sobre as consequências. A falta de leitura e de imersão cultural tem implicações no pensamento crítico e na capacidade de intervenção. No limite, na forma como concebemos o mundo e o nosso papel nele, na ação cívica e política.

Lemos e escrevemos em pinceladas, nas redes sociais. E esse imediatismo influencia a forma como estruturamos quase tudo, incluindo o sistema político. Faz falta interromper o ciclo imediato das redes e pensar a longo prazo. Os partidos e os titulares de cargos públicos não gostam de futuro, porque vivem do presente, dos efeitos das suas opções na popularidade e das decisões imediatas dos eleitores. Cabe à sociedade civil, nas suas mil e uma configurações, suscitar e exigir a visão de longo prazo.

É fácil a tentação de nos prendermos à alegada paralisia de um país em duodécimos até junho, com um governo adiado. Quando esse percalço, afinal breve, conta muito pouco para o país. Aliás, o atual Governo está pouco limitado na sua ação até à tomada de posse da Assembleia da República e os dados económicos mostram que a crise política não é, só por si, um risco. Este é o tempo de pensar em profundidade nos caminhos que deve seguir um governo com a estabilidade que tanto pediu. Um governo que nos dê o futuro que tem faltado.»

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