18.2.22

O país segue dentro de momentos

 


«Contas feitas e estando a viver lá fora desde o longínquo ano de 2007, pela primeira vez vou votar nas legislativas. Sim, esta história parece um disco riscado, mas não é. Ao contrário, é, e tem sido, uma perfeita anedota.

Felizmente para quem está lá fora, cá fora, a anedota aproxima-se rapidamente do fim. Infelizmente, e por isso estas desculpas, para quem está em Portugal a repetição do voto dos emigrantes recenseados pelo círculo da Europa, apesar de justa, vem com o preço do adiamento da tomada de posse do novo Governo, arrastando 10 milhões de portugueses para quase mais dois meses de duodécimos.

António Costa já veio pedir desculpa. Agora. Depois de 14 anos de tentativas goradas para poder votar numas legislativas. Por lhe tocar na pele quando há 14 anos nos toca na pele.

Aquando da saída definitiva de Portugal em 2007, ainda tínhamos José Sócrates como primeiro-ministro. De então para cá, tive de tudo um pouco para poder votar nas legislativas precedentes, desde a impossibilidade de uma marcação no Consulado à impossibilidade de recenseamento no Consulado, desde viagens a Portugal onde da Junta de Freguesia me recambiaram para o Consulado até ao regresso ao Consulado de onde me recambiaram para a Junta de Freguesia. Desde a mudança da morada no Cartão de Cidadão à impossibilidade de levantar o mesmo cartão por três vezes porque o Consulado, já aqui o disse, nunca está aberto e não responde a e-mails ou atende o telefone e o site não funciona e por três vezes repetir todo o processo de mudança de morada sendo que, por esta altura, a intervenção divina implementou o recenseamento automático para quem já vive lá fora, dando início à presente epopeia do voto postal - epopeia essa com início em 2019 e, neste momento, numa verdadeira segunda temporada cujos últimos episódios estão marcados para 12 e 13 de Março por voto presencial e 23 de Março por voto postal.

E sublinho o voto postal e a sua importância porque a 12 e 13 de Março não temos comboios para o centro de Londres por necessidade de manutenção dos caminhos-de-ferro.

Sem comboios, e de modo a garantir o nosso voto, das duas uma: ou demoramos quatro horas em transportes entre ida e volta ou de bicicleta fazemos 50 quilómetros ao todo, única e exclusivamente para exercer o direito de voto há tanto reclamado. E sim, aquando das presidenciais do ano passado, fomos de bicicleta até ao Consulado.

Mas, seguindo o exemplo do Reino Unido, onde existem apenas dois consulados entre Londres e Manchester para uma população de mais de 400 mil portugueses, é fácil constatar que nem todos poderão deslocar-se de bicicleta. Aliás, estivessem as legislativas dependentes deste meio de locomoção e a abstenção seria o seu mais que natural resultado. Ou isso, ou a eleição garantida de um deputado por dois votos apenas.

O pai de António Costa, Orlando Costa, foi, tal como os nossos avós, preso pela PIDE. No caso de Orlando Costa, cerca de três vezes. O crime? A luta pela liberdade, pela independência, pela justiça, pela igualdade, a autodeterminação dos povos, o escrutínio universal, uma vida melhor, paz, pão, habitação, saúde, educação. Um futuro.

Por uma questão de respeito para quem pagou com o encarceramento, sem sequer mencionar as inúmeras torturas, os assassinatos, mais a sociedade “pidesca” onde estávamos inseridos, é vital a luta pelo voto de todos, emigrantes incluídos. Porque esquecer a história é garantir a repetição da mesma e ela aí está já sentada no Parlamento.

Se o voto da emigração tem um preço? Sim, o preço do tempo, quase dois meses com o país em suspenso. As minhas desculpas, mais uma vez. O país segue dentro de momentos. Já a luta pela liberdade nunca parou.»

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