«A 11 de agosto de 1974, milhares de emigrantes desfilaram na Almirante Reis em direção ao Estádio 1º de Maio, em Lisboa, para a festa-comício que lhes permitiu, finalmente, celebrar a liberdade em solo pátrio. Quatro meses antes, a milhares de quilómetros, apenas puderam viver a Revolução dos Cravos por procuração, como tantas vezes impõe a condição migratória. “Prometemos à Pátria trabalho e justiça social para que os vossos filhos e netos não precisem de emigrar”, afirmou solenemente, nesse dia, Vasco Gonçalves (Diário de Notícias, 12/8/74). Anos mais tarde, a 10 de Junho de 1977, na Guarda, o Presidente Ramalho Eanes proclamava um novo conceito de Pátria: “Importa mais o homem do que o chão onde ele vive”, garantindo uma “coesão fraterna e a unidade efetiva dos portugueses no Mundo”.
Quem viveu no estrangeiro nos últimos 50 anos habituou-se a que tais discursos sejam raramente seguidos de medidas concretas. Nestas legislativas, os programas da maioria dos candidatos pelos círculos da emigração continuavam a apresentar as sempiternas questões do atendimento consular, ensino da língua, legislação eleitoral, apoio ao movimento associativo, etc. Hoje, um cidadão a residir em Paris tem de esperar seis meses para ser atendido no consulado e é obrigado a pagar propinas para que os seus filhos tenham aulas de português. Noutros países, a situação ainda é pior.
Entre as eleições para a Constituinte de 1975 e as legislativas de 2019, a participação de quem vive no estrangeiro foi quase sempre residual. Salvo erro, em 45 anos e 15 eleições, contabilizaram-se 970.000 votos. Com o recenseamento automático, essa taxa tem vindo a subir, mas o processo continua envolto em polémica.
Em 2019, quando foram anulados cerca de 35.000 boletins, ainda nem tinham sido contabilizados os votos além-fronteira e já o Presidente da República recebia os partidos em Belém e o primeiro-ministro destilava a composição do novo Governo. Na semana passada, foram anulados os votos de 157.205 eleitores do círculo da Europa de um total de 195.701, ou seja, 80,3% foram para o lixo. A decisão deve-se ao facto de boletins inválidos – não acompanhados de fotocópia do documento de identificação – terem sidos misturados nas urnas com votos válidos.
Para muitos dos que vivem lá fora, profundamente apegados ao país e à cultura de origem, mas fartos de discursos ocos e de paternalismos elitistas, é mais uma metáfora da indiferença a que são votados. Um número ainda desconhecido de eleitores não respeitou as indicações, mas muitos mais viram o seu voto anulado pela incúria de quem trata deste processo. Para além das querelas partidárias, este inenarrável episódio deve ser a oportunidade para remediar uma série de anomalias com décadas. Os cerca de 1,5 milhões de eleitores no estrangeiro são representados por apenas quatro deputados. Por razões várias, um número significativo de boletins ou não chega à morada do eleitor ou é devolvido a Lisboa depois da data-limite. Em função do tipo de ato eleitoral, o voto é exercido de forma diferente (presencial, por correio ou híbrido). E por aí adiante…
A decisão do Tribunal Constitucional de mandar repetir as eleições nas assembleias de voto no círculo da Europa constitui um desfecho no qual poucos acreditavam. Para alguns, mais não faz do que atrasar o normal funcionamento das instituições. Para muitos dos que vivem lá fora, trata-se de uma deliberação altamente simbólica. Embora desconfiados, começam a nutrir a esperança que alguma coisa pode mudar, não se olhando (tanto) de soslaio para quem quis ou teve de emigrar ou apenas deles esperar investimentos e envio de divisas. Um primeiro sinal seria escolher um(a) secretário(a) de Estado oriundo da emigração. E não esperar pelo fim da legislatura, nem limitar aos quatro últimos eleitos, a preocupação por temas que devem merecem a atenção de todos os deputados da Nação. Também há portugueses que vivem no estrangeiro.»
.
0 comments:
Enviar um comentário