13.2.22

Por onde anda o desejo de futuro?

 


«Esta semana andou toda a gente entretida a tentar perceber como lidar com quem tem saudades de fascismo, racismo e colonialismo. Ou com os que reivindicam como solução para o país mais neoliberalismo, apresentado como a renovada moda da estação Outono-Inverno, quando vivemos sob uma racionalidade neoliberal globalizada há cerca de quatro décadas.

É importante encontrar o tom certo para combater os nostálgicos do fascismo e os que continuam com uma crença cega no neoliberalismo e na narrativa desfasada do crescimento económico infinito. Mas também é fundamental — para quem aspira a viver numa sociedade mais justa, igualitária e democrática — não desistir de olhar em frente. E nisso, convenhamos, todos têm falhado. Os anos de “geringonça” permitiram, pelo menos, criar uma alternativa à austeridade, com um desenvolvimento económico residual, mas sustentado, preservando o que resta do Estado social, por deficiências que existam e que é imperativo corrigir. Tudo coisas fundamentais. Mas não basta uma mera administração do presente. Como é evidente, é preciso mais. Muito mais.

Ninguém anda aqui para sobreviver. Mas para viver, plenamente. E não são apenas os partidos que têm falhado. Há quanto tempo não se vê um grande movimento social carregando vontade de conquista, tentando impor transformações, no sentido de reivindicar um outro futuro? Sim, os movimentos ecologistas e os anti-racistas, mas são apenas excepções. A maior parte das mobilizações são quase sempre feitas em perda, consistindo em querer conservar o que já existia. Em vez da conquista de novos direitos, são instrumentos de resistência. Não se tenta impor nada.

E assim que nos colocamos na posição defensiva, as forças reaccionárias progridem, pois ficamos condenados, no próprio momento em que lutamos, a apresentar como norma positiva a ordem instituída das coisas. Esse é o grande dilema. Não se pode deixar de dispensar energia debatendo no presente com aqueles que dificilmente conseguiremos mudar, em prol da manutenção de conquistas efectuadas. Mas não tenhamos ilusões: parte-se muitas vezes do pressuposto de que algumas forças crescem por ignorância, sendo necessário o confrontar de consequências de algumas propostas. E se fosse exactamente ao contrário? Se fosse por conhecimento ou, noutra perspectiva, por negação, que pautassem a sua acção?

O verdadeiro foco tem de ser mais intenso, sobre os quais se pode ter verdadeira influência e que realmente estão disponíveis para a mudança. E aí há que assumir que muitos dos efeitos das teorias e práticas, e das lutas e experimentações, que se tentam difundir agora só poderão ter efeito mais à frente, seja o rendimento universal, a semana de trabalho de quatro dias, a avaliação do impacto da inteligência artificial sobre o trabalho, a luta contra o racismo e o patriarcado estruturais, a saúde como bem público e não como negócio, a justiça tributária, a reforma da educação, a cultura e a arte encaradas como bem essencial ou a sustentabilidade ambiental.

Parte do sentimento de impotência advém de muitas dessas ideias serem um processo que não vai transformar a urgência do presente. Só a médio prazo algumas produzirão efeitos. É por isso que é tão importante, hoje, sensibilizar os que estão a despertar para a política, ao mesmo tempo que é necessário adoptar novas formas de luta, que possam ser mais eficazes do que as clássicas, tantas vezes funcionando como consolo moral, mas inoperantes. Seria necessário infiltrar a política nas estruturas da existência quotidiana. É na vida dos cidadãos que seria preciso inscrever uma identidade progressista, o que exige uma dinâmica complementar: combater forças reaccionárias no aqui e agora, preservando o que existe, sem deixar de exigir um outro futuro, porque esse é o antídoto para se sair da atitude defensiva, do pouco, do quase ou do mal menor, criando novas possibilidades.»

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