«Não fazemos a mais pequena ideia de como isto tudo vai acabar. O antigo comediante Zelenskii, que nestes dias nos comove pela capacidade de resistência a defender o seu país, recusou a oferta dos Estados Unidos para sair de Kiev – dizendo que não precisava de boleia, mas de armas. A Ucrânia, até ao momento em que escrevo este texto, está a demonstrar uma extraordinária resistência face às tropas de Putin, o que está a comover e a espantar parte do mundo e eventualmente a surpreender também o imperialista russo.
Depois das primeiras hesitações, as sanções da União Europeia avançam para um novo patamar, logo a seguir à Alemanha ter aceitado a exclusão da Rússia do sistema internacional de pagamentos SWIFT. E, numa alteração de estratégia absolutamente radical, Berlim anunciou o envio de armas para Kiev. “A invasão marca um ponto de viragem”, disse Olaf Scholz, ao anunciar a reviravolta na política da Alemanha de não enviar material de guerra para cenários de conflito. A mudança de opinião de Berlim (ainda na sexta o chanceler recusava a exclusão da Rússia do sistema de pagamentos SWIFT) proporcionou, como sempre, a que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tenha vindo anunciar na noite de sábado que a União Europeia vai aplicar mais sanções à Rússia, com a exclusão de bancos russos do SWIFT, a proibição de acesso dos oligarcas russos aos mercados europeus e o congelamento dos fundos do Banco Central da Rússia.
É verdade que as sanções europeias à Rússia começaram por ser tímidas, provavelmente pelas mesmas razões contabilísticas de Rui Rio, que ainda este sábado veio, com a sua esplêndida oportunidade, alertar que “a União Europeia deve medir as consequências antes de avançar com mais sanções à Rússia”. Mas a situação está a mudar.
Onde vamos parar? Não sabemos. O povo russo, que também se manifesta nas ruas contra a invasão da Ucrânia, pode levar Putin a negociar a paz? Os aliados de Putin – nomeadamente a China, que mudou ligeiramente de discurso – podem ter algum papel nisso? Uma grande cimeira (como aquela com que Churchill sonhou nos últimos anos da sua vida, para tentar esfriar as tensões Leste-Oeste) pode conseguir o cessar-fogo? Não sabemos nada, estamos perante o maior desafio diplomático das nossas vidas.
A minha geração cresceu na Guerra Fria, com o espectro de uma guerra nuclear que conduziria ao fim do mundo. Muitos de nós éramos fervorosamente pelo desarmamento e andávamos com uns crachats amarelos ao peito, com um sol sorridente, onde se dizia “Nuclear Não Obrigado”. Não houve confronto nuclear e assistimos à queda do império soviético (algo que nos parecia impossível poucos anos antes). Ouvir agora Vladimir Putin ameaçar recorrer a armas nucleares, como o fez no comunicado antes da invasão - “Mesmo depois da dissolução da União Soviética e de perder uma parte considerável das suas capacidades, a Rússia de hoje continua a ser um dos Estados nucleares mais poderosos”, disse – é o dado mais assustador desta escalada.
P.S. A aliança que levou António Costa ao poder em 2015 morreu várias vezes – em 2019, quando o PCP não quis acordos escritos, no chumbo do Orçamento do Estado, com a maioria absoluta do PS nas legislativas. Estamos a viver a quarta morte: a resistência do PCP em condenar a invasão da Ucrânia é um momento incompreensível para muitos dos antigos apoiantes da solução.»
Ana Sá Lopes
Ana Sá Lopes
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