17.3.22

A estrada da vida

 


«Foi sobre o lago congelado de Ladoga que durante três invernos se fez o abastecimento da resistência soviética ao cerco nazi de Leninegrado, hoje São Petersburgo. Durou 30 meses e a rota do lago ficou conhecida como a "estrada da vida". A única.

Putin conhece bem a história, os seus pais são dos poucos casais que sobreviveram ao cerco nazi. Saberá por isso que perante a vontade dos ucranianos em resistir à sua "operação especial", Kiev encontrará certamente a sua "estrada da vida". O presidente russo sabe também que a Wehrmacht bateu em retirada ao 31º mês.

Fracassado o objetivo político de decapitar o governo democrático ucraniano e substituí-lo por um governo satélite do Kremlin, fracassado o objetivo militar de quebrar a coluna vertebral das Forças Armadas ucranianas, destruindo sua capacidade de resistir, resta-lhe o cerco, o bombardeamento indiscriminado, a supressão de civis pelas armas e pela fome. Resta-lhe o que os nazis fizeram a Leninegrado, assente no que o próprio fez em Grosny e Alepo, e hoje em Mariupol e Kharkiv. Resta-lhe ainda o arsenal nuclear para ameaçar a Humanidade.

Resta-lhe também o tipo de saída. E o que pode vender na televisão política de Moscovo como uma vitória. Porque para o mundo não haverá vitória alguma.

Do ponto de vista territorial, a questão é delicada, porque Putin não pode sair da Ucrânia apenas com o reconhecimento da Crimeia como espaço russo. Tenderá, por isso, a reclamar cada centímetro de terra conquistado. E este é um ponto vital da equação, na medida da disposição de Zelensky em abdicar da integridade territorial e a entregar a região de Donbass ou parte dela, em nome de uma paz mais rápida.

Outro ponto sensível será a questão dos alinhamentos internacionais. Porque é aqui que se joga o objetivo de "desmilitarização" anunciado pelo Kremlin. Hoje é tido como aceite a não entrada da Ucrânia na NATO. A Rússia, contudo, exigia também o "não alinhamento em blocos", e isto inclui a não adesão à União Europeia (que também contempla cláusulas de segurança mútua).

Este parece um custo político que Zelensky não pode acarretar. A revolução da Praça de Maidan fez -se em nome da adesão à UE. E a adesão ao clube europeu corporiza o futuro pelo qual Kiev inspirou os seus cidadãos a resistir. É a sua "estrada da vida".

Zelensky poderá sair com uma estrada europeia para oferecer e com uma auto-estima nacional imaculada, mas com menos terra. Putin poderá sair com mais terra, sem a NATO em Kiev, mas com a fronteira de Helsínquia alarmada e de porta aberta para a Aliança Atlântica.»

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