29.3.22

Alerta – Assistir a uma guerra “em direto”

 


«Esta guerra afeta-nos a todos. Nas últimas semanas, temos assistido a uma guerra “em direto”, com imagens que, de alguma forma, nos doem a todos pela violência que apresentam. Cidades completamente destruídas, bombas, crianças solitárias que chegam às fronteiras com um número de telefone escrito numa mão, mães exaustas e sozinhas na Ucrânia, ou em fuga, com os filhos ao colo. Testemunhos, vidas, lágrimas, mortes…

Independentemente do local onde estamos - sejamos nós portugueses, ucranianos, polacos, russos, a nacionalidade não importa - (vi)ver uma guerra tão próxima, pode marcar-nos. Importa, ainda assim, salientar que, quando existem em nós sentimentos de pertença ou quando aquele lugar é a nossa casa, estas marcas podem ser ainda mais profundas.

Perante uma guerra - em diferentes prismas, mas particularmente, sob o ponto de vista psicológico - não ganha ninguém.

A perceção é, muitas vezes, “temos que saber tudo, para estarmos preparados”.

Uma mulher ucraniana residente em Portugal viu o prédio onde viveu no seu país de origem completamente destruído, com a agravante de que, nesse prédio, viviam familiares que durante 32 horas não conseguiu contactar. Quando conversámos, o mal-estar e o sofrimento psicológico era (naturalmente) muito evidente. Repetiu, várias vezes, “nunca mais me vou esquecer disto”. Mesmo à distância sentiu a(s) perda(s) na pele, a destruição, a insegurança, a incerteza… A preocupação que já sentia, com aquelas imagens transformou-se numa dor angustiante.

Uma jovem portuguesa refere que, desde que a guerra começou, não se consegue “afastar disto”. E assume: “Sei que isto não me está a fazer bem, não consigo dormir mais de três horas seguidas, perdi o apetite. Sinto que estou sempre à beira do choro. Só imagino o que estas pessoas estão a passar e eu aqui no conforto da minha casa”.

Os casos são tantos e todos diferentes e únicos. Estejamos atentos à forma como “nós e os nossos” estamos a vivenciar esta guerra e ao que estamos a sentir. Mas também àquilo que fazemos para “equilibrar” as emoções negativas.

Como lidar? Comecemos, antes de tudo, por filtrar e moderar as imagens e informações que procuramos. Escolher apenas um momento do dia para tomarmos conhecimento do que se está a passar e selecionar, de forma criteriosa, as fontes de informação.

Existem crianças pequenas a ver imagens desta guerra! Outras a perguntar aos pais se vão para a guerra ou, ainda, jovens de 19 anos que querem ir para a guerra, combater para ajudar.

Todos sabemos, de alguma forma, as consequências negativas que a exposição a imagens de violência ou de crime pode ter em crianças e adolescentes. Protejamos os mais novos.

A informação é de extrema importância. Mas… debruçamo-nos com a mesma intensidade, por exemplo, sobre as conversações entre as partes e os esforços para a paz (por distante que ela pareça estar)? Valorizamos com a mesma intensidade casos de famílias, que, apesar das circunstâncias, conseguiram criar soluções e ter esperança? Procuramos com a mesma determinação informação que nos “nos provoque emoções positivas”?

Criar distanciamento é, neste caso, tarefa difícil mas essencial. Não se trata de desumanizar o nosso olhar, nem tão-pouco de banalizar o sofrimento a que assistimos. Trata-se de um processo de autorregulação das nossas emoções, perante as imagens constantes de inumanidade que nos entram pela retina e que tocam fundo nos nossos sentimentos. Ter comportamentos de autocuidado é obrigatório. Monitorizar o nosso estado emocional (e dos nossos) é indispensável. Manter as nossas rotinas e procurar fazer “coisas” de que gostamos é fundamental. Conversar sobre o que pensamos e sentimos é aconselhável.

O nosso bem-estar e saúde mental dependem desta atitude. Da mesma forma, envolver-nos, na exata medida do possível, no esforço de acolhimento e apoio humanitário às vítimas deste conflito, não só é útil para quem apoiamos como pode contribuir para o nosso bem-estar psicológico.

E procurar ajuda especializada, se for caso disso. Alguns sinais de alerta: alterações persistentes no comportamento, alterações do sono, níveis de stress e ansiedade elevados, preocupação excessiva ou tristeza persistente, medo intenso.

Ninguém “sairá incólume” ao viver esta guerra, sobretudo se sentirmos que a vivemos na primeira pessoa.

A empatia, que é uma característica tão positiva, pode também provocar grande exaustão emocional. Nas dimensões psicológicas e afetivas a expressão popular “fazer suas as dores do outro” pode ter um significado muito perto do literal e contribuir para o surgimento de doença mental. Fiquemos atentos.

Cabe a nós, esta responsabilidade “própria” do cuidar (dos outros e de nós próprios).»

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