«No meio das desgraças, das crises, das guerras, aparece sempre o discurso das “oportunidades” que se abrem para alguns perante o cadafalso da maioria. Na última segunda-feira, ao assistir-se à apresentação do plano da Comissão Europeia para tornar a Europa independente da importação de combustíveis fósseis russos antes de 2030, era nisso que se pensava.
Não sei quantas vezes a palavra “oportunidade” foi proferida mas foram muitas. Perante a guerra da Ucrânia, aquilo que até há dias eram obstáculos inamovíveis e impossibilidades, tornou-se num mundo de “oportunidades” para uma Europa mais “limpa”, “sustentável” e “ecológica”, disposta à transição energética para as chamadas energias verdes – algumas não tão verdes quanto isso e de eficiência mais do que discutível – através da energia solar fotovoltaica, eólica ou uso de bombas de calor.
Nada de equívocos. A questão aqui não é essa passagem. É porque é que não se investiu fortemente antes na substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia limpa? Porque é que existe sempre esta sensação que politicamente não se planeia e projecta, agindo-se com ponderação, mas apenas se reage aos acontecimentos quando é tarde de mais? Não são “oportunidades”. São contingências e também, não sejamos inocentes, episódios em directo de como o capitalismo se metamorfoseia, adequando-se a todas as situações, assumindo agora as novas roupagens da defesa do ambiente. Só faltou sugerir-se aos milhares de condutores citadinos (porque os que vivem nas periferias ou aldeias é mais difícil) que faziam filas nas bombas para se abastecerem de combustível, para largarem de imediato o amado popó e começarem a andar em bicicletas.
Não há nada como uma guerra para a Europa se tornar mais consciente ambientalmente. Ironizo, claro. A pandemia, principalmente na fase inicial, também provocou o mesmo tipo de percepção, como se tivesse uma função purificadora, abrindo espaço para um outro ciclo de produção e consumo. No meio da tragédia também se aviltaram “oportunidades” de negócio. Que o digam as multinacionais da tecnologia. Da mesma maneira deverão estar hoje a esfregar as mãos de contentes empresas da indústria de armamento, perante a corrida às armas e o investimento em defesa militar que promete aumentar com substância.
O mesmo tinha acontecido aquando da crise económico-financeira de 2008. Dizia-se que seria a “oportunidade” de recentrar o conceito de democracia, de políticas publicas e de desenvolvimento. Era preciso superar a visão que confunde desenvolvimento com crescimento económico e um tipo de progresso material supostamente ilimitado. O desenvolvimento precisava de ser humano (melhorar a qualidade de vida das pessoas), social (não apenas de algumas pessoas, mas de uma larga maioria) e sustentável (das pessoas que estão vivas hoje, sem afectar as possibilidades das que viverão no futuro). Anos depois vivemos em crise permanente, onde de “oportunidade” em “oportunidade” para alguns, os do costume são sempre os sacrificados, à medida que os cofres públicos vão sendo esvaziados. Neste caso, para além dos que são submetidos directamente à violência e à morte na Ucrânia, estão todos os outros, pela Europa e não só, que irão pagar economicamente os efeitos desta guerra.
Para uns Putin é louco e não existe racionalidade nenhuma na sua acção. Para outros trata-se de um intolerável gesto expansionista. Outros avisam que é a tradução do conflito entre a Rússia e Nato, no território da Ucrânia, que conduzirá a mais uma longa crise. E para outros ainda, não é a guerra que provocará qualquer crise, mas é a crise económica, que já vinha de trás, que está a originar respostas militares e económicas. Independentemente de quem estiver certo, uma coisa é garantida: há quem viva muito bem com crises. Ganha ao destruir. Ganha ao reconstruir. O bem-comum, e os cidadãos comuns, é que perdem.»
.
0 comments:
Enviar um comentário