«Falar em guerra sem nomear o agredido e o agressor, e tirar daí consequências, é colocar-se do lado do agressor. Quem beneficia na apresentação neutral da “guerra”? O agressor. Quem beneficia numa defesa da “paz” que trata os beligerantes como iguais? O agressor. Quem fala em detalhe dos males de “uns” (os ucranianos) e genericamente e sem pormenores dos males dos “outros” (os russos) não está do lado da “paz”, mas da guerra. Quem justifica, legitima, favorece, protege o PCP com o seu discurso contorcido sobre a guerra? Os russos. Toda a gente percebe, a começar por muitos eleitores, simpatizantes e militantes do PCP, por isso é que esta situação é devastadora para o PCP. Façam-nos justiça de perceber que nós percebemos.
O problema do PCP não é um remake do caso da Checoslováquia, como por aí se diz. Na invasão da Checoslováquia, havia de um lado a URSS e do outro um processo que os soviéticos consideravam ser de subversão do socialismo e do campo socialista. O PCP podia entender que devia estar de um “lado” contra o outro, porque um dos lados lhe era próximo ideológica e politicamente. Onde é que há hoje algo de remotamente parecido com “o lado” da URSS?
O PCP diz que “o lado” ucraniano é péssimo, mas diz também que não se identifica com “o outro” lado com Putin. Se é assim, porque não trata “os dois lados” da mesma maneira e se põe à margem? Se o conflito é entre a NATO e o regime de Putin, que é para todos os efeitos igualmente maléfico, por que razão o PCP acaba encostado a um dos lados, sempre pronto para o justificar pela equivalência? Por que razão, entre aquilo que considera o militarismo da NATO e a “violação do direito internacional” por Putin (um gigantesco eufemismo), entre o lado agressivo da NATO e o autocrata belicista, o PCP sente-se mais confortável com o segundo, que protege até pela terminologia cautelosa e moderada com que o trata? Façam-nos justiça de perceber que nós percebemos.
Não adianta vir com a história de que a “guerra” começou em 2014, porque esta de que estamos a ser testemunho começou em 2022. E, em 2022, não há um único factor que justifique a invasão da Ucrânia, não há motivo forte, nenhuma provocação, nenhum acto novo de envolvimento da NATO, nenhuma colocação de tropas americanas na fronteira, nenhum exercício militar conjunto, nenhuma manobra daquelas que se usam para preparar uma invasão. Nem pouco nem muito, não há mesmo. Façam-nos justiça de perceber que nós percebemos.
Vamos admitir que o que Putin diz é verdadeiro (quase nada é…) e que a Ucrânia é governada por nazis (falso, embora haja demasiados nazis na Ucrânia como na Rússia, e na Europa, os que Putin financia), que são corruptos (verdade, como na Rússia os amigos de Putin), que reprimem o russo e a cultura russa no Donbass (em parte verdade), que perseguem os partidos pró-russos (idem), que assassinaram muitos ucranianos pró-russos (os números são fantasiosos, mas havia uma guerra de fronteiras em curso com a intervenção da Rússia), que querem entrar para a NATO (querer, querem, só que a NATO não os aceitou), e que desde 2014 existe uma guerra escondida naquela parte do mundo (que, se houvesse, seria conforme o direito internacional, depois da anexação da Crimeia e do apoio às milícias pró-russas no Donbass). Pelo contrário, os países ocidentais da agressiva NATO engoliram a conquista territorial russa da Crimeia com o rabo entre as pernas. Nem disso Putin se pode queixar. Façam-nos justiça de perceber que nós percebemos.
Mesmo que se admita tudo isto (insisto que não é verdade a maioria das coisas), que o PCP repete numa lógica que só serve para a legitimação da invasão, o que é que aconteceu de muito grave em 2022 que levou Putin a preparar, negar e depois começar uma invasão maciça da Ucrânia? Nada. É uma pura agressão, uma pura guerra de grande escala que inclui desde início a ameaça do nuclear, o ataque a civis (incontroverso em geral, mesmo que nalguns casos possa haver montagens), e o PCP vem agora falar com neutralidade de uma “guerra” com dois lados igualmente culpados, um muito mais do que outro, o do agredido. Tretas. Façam-nos justiça de perceber que nós percebemos.»
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