@joãofazenda
«Intrigado com o caos nas urgências de obstetrícia, fui tentar saber mais sobre o fenómeno. A primeira ideia com que fiquei é que se trata de um problema estrutural, o que é óptimo. O problema estrutural é o tipo de problema cuja responsabilidade não pertence a ninguém. Se tivéssemos um euro por cada vez que alguém disse, nas últimas semanas, a frase “estamos perante um problema estrutural”, teríamos dinheiro suficiente para resolver o problema estrutural. No entanto, curiosamente, a falta de dinheiro não parece ser uma das causas do problema. O ministro das Finanças já disse várias vezes que não há falta de recursos financeiros no SNS. E há igualmente quem diga, apoiando-se em dados da OMS, que o problema também não é a falta de médicos. Sendo assim, a conclusão não é difícil: não havendo escassez de dinheiro nem de médicos, o caos nas urgências de obstetrícia só pode ser responsabilidade das grávidas. Faz sentido que assim seja. No auge da pandemia, os cidadãos isolaram-se em casa, para não sobrecarregar as urgências respiratórias. Do mesmo modo, é agora óbvio que as grávidas, antecipando este problema, se deviam ter isolado em conventos, para não sobrecarregar agora as urgências obstétricas. Conseguimos que o SNS resistisse à pandemia de covid, agora é preciso tentar que ele sobreviva à epidemia de bebés, que são muito mais prejudiciais à saúde.
Em defesa das grávidas, talvez seja importante dizer o seguinte: mesmo que elas quisessem e pudessem fazer o esforço de aliviar o caos nas urgências optando por ir ter os seus bebés ao estrangeiro, em princípio teriam de enfrentar o caos no aeroporto — problema que, se não estou em erro, é estrutural. Para resolver ambos estes problemas estruturais vai ser necessário, evidentemente, empreender uma reforma estrutural. Com esse objectivo, será fatalmente criada uma comissão, que começará a elaborar estudos. Quando esses estudos estiverem prontos, o mais provável é que o caos nas urgências já tenha desaparecido das notícias, substituído por outro problema estrutural, como os incêndios, as cheias, ou os atrasos no início do ano lectivo. Seja como for, e sem querer parecer derrotista, o mais provável é que, no que toca a medidas estruturais, a montanha vá parir um rato. Mas, como é evidente, se for esperta não o vai parir em Portugal.»
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