25.6.22

Menos direitos do que as suas avós

 


«O que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu nesta sexta-feira mostra como algumas das liberdades individuais que damos como garantidas não o estão.

Em muitos estados, a interrupção voluntária da gravidez (IVG) passará a ser proibida ou fortemente restringida. Nalguns, as mulheres serão obrigadas a prosseguir uma gravidez, mesmo que essa gravidez tenha resultado de uma violação. Nalguns, uma menor que tenha engravidado de um familiar que abusou dela não poderá abortar legalmente. A IVG poderá passar a ser proibida mesmo em casos em que a gravidez represente uma comprovada ameaça à vida da mulher ou quando o feto sofra de graves anomalias.

Os três juízes democratas que não alinharam com a maioria no Supremo Tribunal, Elena Kagan, Sonia Sotomayor e Stephen Breyer vão directos ao assunto num texto em que explicam a sua posição (e que foi publicado na íntegra no The Guardian): “As jovens de hoje chegarão à idade adulta com menos direitos do que as mães delas e as avós delas.”

De acordo com um levantamento do New York Times, a nova legislação restritiva deverá entrar em vigor “imediatamente” em 13 estados. Arkansas, Kentucky, Louisiana, Missouri, por exemplo, são alguns dos que impedirão a IVG em casos de incesto e violação.

Poucos minutos após a reversão da decisão do caso Roe vs. Wade, o Missouri vangloriou-se por ser o primeiro a avançar. “Este é um dia monumental para a santidade da vida”, disse o procurador-geral do estado.

Jane Roe foi o nome pelo qual ficou conhecida uma jovem mulher pobre que à terceira gravidez quis abortar; Henry Wade foi o procurador que representou o Texas. O caso chegou ao Supremo Tribunal que decidiu, em 1973, que o estado não tinha o poder de proibir o aborto. Ficou assim consagrado o direito das mulheres norte-americanas a interromper a gravidez em certas circunstâncias.

A decisão de hoje não o anula automaticamente. Mas cada estado passa a poder decidir. Trata-se de sujeitar “a decisão mais intensamente pessoal que uma pessoa pode ter de tomar aos caprichos de políticos e ideólogos”, como disse o ex-Presidente dos Estados Unidos Barack Obama.

As vítimas são sobretudo as mulheres mais pobres, que não têm como pagar abortos clandestinos em condições mínimas de segurança, nem dinheiro para pagar uma deslocação até ao estado mais próximo que tenha uma legislação menos restritiva. E foi aberta uma caixa de Pandora – há estados a querer discutir os direitos à contracepção.

A violenta decisão do Supremo é um retrocesso histórico com impacto em toda a sociedade e com consequências imprevisíveis.»

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