«O mundo está a ficar muito perigoso. Estão de volta os nacionalismos, muitos deles a reclamar o regresso de fronteiras que tínhamos esquecido, e está de volta a intolerância religiosa, alimentada por uma ignorância que é pasto para os fanáticos nas redes sociais e na vida real. A liberdade de decidir sobre a própria vida e o próprio corpo, até nos aspetos em que essas decisões em nada implicam com a vida dos outros, está a ser posta em causa pelos que não são capazes sequer de distinguir um direito de uma obrigação.
Talvez fosse bom começar por aí. O direito de duas pessoas do mesmo sexo casarem não obriga todos os homossexuais a casar. Nem sequer obriga ninguém a ir ao casamento, caso seja convidado. O direito à eutanásia não obriga todas as pessoas a optarem pelo suicídio medicamente assistido quando adoecem gravemente na velhice. O direito das pessoas transgénero assumirem uma identidade de género diferente do sexo com que nasceram não as obriga a mudar de sexo. O direito de todas as mulheres, em determinadas circunstâncias, interromperem voluntariamente a gravidez, não as obriga a abortar em nenhuma circunstância. Os que não são capazes de distinguir as coisas mais básicas, julgam-se capazes de decidir em nome de todos e fazem-no, tantas vezes, em nome de Deus. Estando certos de que Ele existe, arrogam-se o direito de garantir que Ele quer o que eles querem, mesmo quando o que eles querem faz dele um Deus violento, desumano e, portanto, desaconselhável.
Vejamos um exemplo flagrante de desconexão entre as criaturas e o criador. O direito a interromper a gravidez quando ela acontece fruto de uma violação não obriga todas as mulheres violadas a abortar. Mesmo nesta circunstância hedionda, as mulheres têm o direito de levar a gravidez até ao fim se esse for o seu desejo. Querer obrigar alguém a prolongar a gravidez nestas circunstâncias, como tentou fazer uma juíza no Brasil com uma criança de 11 anos ou querem fazer dirigentes políticos em vários Estados na América, é inaceitável. O que estará Deus a pensar destes crentes, nesta altura? Ninguém tem a resposta, mas eu arrisco dizer que não foi para esta gente que Ele desenhou o paraíso.
É provável que Deus esteja descrente nos seus crentes, divididos pelos profetas em que acreditam, criando a partir daí diferentes religiões monoteístas, onde ao longo dos séculos os homens se tornaram mais importantes que o Deus em que acreditam e, por isso, se subordinam a diferentes chefias. Foi pelos homens e nunca por Deus que os cristãos se dividiram em protestantes, ortodoxos e católicos, ou os muçulmanos distinguem entre xiitas e sunitas. E é em nome de religiões lideradas toda a vida por homens e que sempre trataram mal as mulheres, e que as remeteram para papéis secundários e submissos, que insistem em querer decidir o que elas podem ou não podem fazer com o seu corpo. O que estará Deus a pensar desta gente?»
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