12.6.22

País macro, país micro



 

«Há um país, visto a partir do Terreiro do Paço pela lente de grande formato dos valores macroeconómicos, que parece estar em recuperação económica. O PIB nacional foi o que mais cresceu na Europa no primeiro trimestre, em comparação com o período homólogo do ano passado. A narrativa de que a inflação elevada será transitória vai fazendo caminho e o primeiro-ministro mostra tamanha confiança na capacidade do tecido empresarial que apela a um aumento de 20% do salário médio em quatro anos.

Fazendo zoom e olhando a realidade dos portugueses, na escala micro de quem todos os meses faz contas à prestação da casa, à conta da luz, aos depósitos de combustível, a realidade é obviamente outra. Perspetiva-se risco de incumprimento no crédito, os salários da Função Pública estão longe de dar o exemplo para o discurso oficial de prosperidade, no terreno IPSS e técnicos de Segurança Social falam de famílias cada vez mais aflitas, ou mesmo a precisar do apoio de emergência alimentar que a tutela considera estar em condições de ser reduzido.

E há, claro, um caso bicudo no setor da Saúde. Por mais que as contas macro apontem uma dotação orçamental que cresce 6,7% acima do PIB, no país real sucedem-se os encerramentos de serviços por falta de especialistas e as tragédias que personificam, em gente de carne e osso, as deficiências na resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Não estamos sequer a falar do esquecido Interior do país, mas de falta de equipas em cidades como Braga, Almada ou mesmo Lisboa.

Em Inglaterra, o presidente da República elogiou os profissionais de saúde que ali desenvolvem a sua atividade e lembrou que Portugal já enviou várias "centenas de Cristianos Ronaldos" para a investigação naquele país. Depois apelou ao mais difícil: que regressem às origens. Onde, poderia ter acrescentado, se vive um problema sério de recursos humanos. Essa é simultaneamente causa e consequência da dificuldade de Portugal em dar um salto qualitativo no seu paradigma de desenvolvimento. Podemos agarrar-nos a números esperançosos ou fazer discursos otimistas sobre a nossa capacidade. A realidade, essa, não muda ao ritmo do desejo.»

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