4.7.22

O passismo voltou, que a gestão ao centro está ocupada

 


«Quem julga ter ouvido alguma clareza em relação a futuros entendimentos com o Chega estará à espera que o PSD-Açores, que passou alguns “muros” para “sobreviver politicamente”, perca em breve a confiança do PSD nacional. Ou então não ouviram o que julgaram que ouviram. O que ouviram foi uma desculpa para regressar ao nunca resolvido ressentimento dos passistas com 2015. Montenegro não queria falar do Chega, mas da “geringonça”. Logo no início da intervenção, não queria dizer ao que vinha, mas de onde vinha. E a incompreensão do que foi a “geringonça” é evidente quando pinta um retrato tremendo sobre a forma como os portugueses olham para os últimos seis anos, esmagadoramente desmentido pelos resultados eleitorais.

É justa a critica ao governo de gestão em que se está a transformar o executivo de um Costa esgotado de soluções depois revertido o que os partidos à sua esquerda o obrigaram a reverter. A questão é se um político com o perfil de Montenegro, formado na mesma cultura da vacuidade programática de Costa, faria diferente. É justa a critica à falta de investimento nos serviços públicos. Mas essa crítica não teve tradução no resto da intervenção do novo líder do PSD.

O guião foi o habitual: a esquerda tem ideologia, a direita tem soluções para as pessoas. Garantido o remate preguiçoso, Montenegro fez uma intervenção quase exclusivamente ideológica. Baseado num conceito de liberdade essencialmente anti-social-democrata – basta ouvir militantes e dirigentes a explicarem o que é ser social-democrata para perceber até onde pode ir a ignorância sobre o conceito que deu nome ao partido em que se filiaram –, o debate que Montenegro propõe fazer sobre políticas públicas é o de saber o que mais pode ser entregue ao privado. Mais nada de relevante existe no seu esboço programático.

Para o Serviço Nacional de Saúde, a cartilha é a de sempre, seja qual for o problema: é preciso recorrer ao privado contra o qual o Estado tem, apesar de gastar 40% dos seus recursos em saúde com ele, um preconceito ideológico. Nem uma proposta sobre a fixação de profissionais ou investimento no SNS. Porque, de uma forma mais clara do que alguma vez foi feito no PSD, a Montenegro parece querer, como a IL, transferir para o setor privado a generalidade da prestação de serviços de saúde, reservando ao Estado o papel de mero financiador. Se não é isto, o resto não esteve no seu discurso.

Até quando fala do ensino pré-escolar, defende que o “preconceito ideológico” não deve levar o Estado a querer concorrer com o privado. A questão já não é só a necessidade de recorrer ao privado, é abster-se de criar uma rede pública para não criar concorrência ao negócio. IL, cá está ela de novo.

Nas propostas do combate à carestia de vida e à inflação, os salários estiveram ausentes. Montenegro propõe um programa assistencialista. Com um programa de emergência que deve aproveitar os ganhos fiscais com a inflação, apesar de no mesmo momento propor baixar os impostos e dispensar esses ganhos fiscais. Como de costume, o PSD promete as vantagens dos impostos – a receita – sem as desvantagens dos impostos – a cobrança.

Ou talvez esteja a ser injusto. Como a IL, Montenegro acreditará que o milagre económico de baixar os impostos dará mais receitas ao Estado. Tudo o resto que disse sobre economia foi menos do que genérico. Baixar os impostos e a conversa genérica também vão conseguir reter os jovens no país.

Dirão que o PSD é um partido reformista. Não, não é. O PSD foi, a começar pela criação do SNS, contra muitas reformas importantes que se fizeram neste país. E volta a sê-lo. Opondo-se, com algumas boas razões, à farsa da descentralização em curso, já se percebeu como voltará a impedir, como no passado, uma das mais importantes reformas administrativas: a regionalização. Desta vez é por causa da Ucrânia. Apesar da proposta de referendo ser para 2024, Montenegro já sabe que daqui a dois anos não haverá condições para esse referendo, sem o qual a regionalização não se pode fazer.

Quando falo da IL, falo dos órfãos mais jovens e radicalizados do passismo, que abandonaram as fileiras da direita de sempre, vestiram umas farpelas modernas nos costumes a que dão importância nula, e criaram um grupo de visionários fanáticos. Pode ser que se safem fora da casa de partida, porque o entusiasmo da base do PSD com o novo líder pode ser apenas a certeza de que tão cedo não arranjam outro. Mas a sua agenda, almofadada com umas juras de amor vagas e inconsequentes ao Estado Social, estava toda no discurso de Montenegro.

Os nomes que o acompanham, sinal de uma lufada de ar fresco no partido, ilustram o regresso ao passado, a começar por Maria Luís Albuquerque. Montenegro é a versão sorridente e simplificada do Passos antes da troika, que já prometia uma guinada do partido à direita. O problema é que, como tantas vezes recordou Rui Rio, que as perdeu todas, as eleições não se vencem, perdem-se. E se Costa nos oferecer quatro anos de gestão corrente o poder pode cair no colo de qualquer um. Como os passistas bem sabem.

O passismo está de volta. Não vejo qualquer drama. Têm uma agenda ideológica clara, as provas dadas pelo passado e o centro ocupado por um PS que se prepara para quatro anos que já cheiram a pântano. Mas, por rigor, o PSD devia tirar o “social-democrata”, corrente ideológica de que é agora declarada adversária, da sigla.»

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