25.8.22

A serra da Estrela entre a gaffe e o algoritmo

 


«Uma secretária de Estado com a tutela da Protecção Civil serviu-se dos algoritmos utilizados pelos especialistas no estudo dos fogos florestais para analisar a tragédia deste ano e concluir que, face às condições de severidade reunidas, seria expectável que a área ardida fosse superior em 30%. À partida, o uso da ciência recomenda-se e divulgar as suas conclusões não é nada do outro mundo. Entretanto, uma ministra prometeu um futuro “melhor” para a serra da Estrela fortemente devastada pelos incêndios. Já sabemos que o optimismo neste Governo pode ser “irritante”, mas profetizar um mundo melhor não é nada que se estranhe num político.

Então, qual é o mal desta análise e deste augúrio? Por que razão o “algoritmo” entrou no debate político e o futuro brilhante da Estrela está a ser usado como um exemplo da demagogia do Governo? Para começar, o contexto: os erros de Patrícia Gaspar e de Mariana Vieira da Silva têm origem na aflição do Governo em gerir uma nova crise com os fogos. O algoritmo e o futuro risonho da serra revelam sinais de nervosismo, insensibilidade e desorientação. Na sua tentativa de apaziguar a dimensão do desastre, não deram conta que a relativização e a propaganda não funcionam nestes contextos. A ideia subliminar que sobra é simples: ou o Governo não percebeu o que se passa, ou percebeu e vira a cara à realidade.

Ao dizer que a tragédia podia ser pior, a secretária de Estado queria provavelmente a elogiar o trabalho dos bombeiros. Podia fazê-lo com a rapidez do ataque às chamas ou a redução dos reacendimentos. Usando o algoritmo, entrou no domínio da especulação. O que o modelo matemático produz são estimativas, ou intervalos de previsão. Não reflecte a eficácia do combate aos fogos, nem o desempenho do Governo.

O caso de Mariana Vieira da Silva, uma ministra que se destaca pela sua sensatez, é mais grave. Porque se a motivação política é a mesma (proteger o Governo), o grau de inconsciência é maior. Certamente sem o pretender, a ministra associou os incêndios à ideologia dos amanhãs que cantam. Com este Governo, a devastação das chamas é o primeiro passo para um futuro melhor. Não deu conta que essa promessa é um insulto aos que perderam bens com o fogo ou se comovem com a perda da biodiversidade.

Os dois incidentes valem pelo simbolismo. Não ficam na História. Nem escondem o essencial: as promessas de António Costa em 2017 para a floresta fracassaram. Se a promessa para o futuro da Estrela decorrer como a do pinhal de Leiria, não haverá algoritmo que a salve.»

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