«Depois de umas longas férias que, no caso do governo e no que diz respeito a questões mais estruturais só terminam no próximo mês, é chegada a altura do país começar a ter conversas mais sérias. Não apenas sobre a urgência de um aumento dos apoios sociais às famílias mais carenciadas, mas também sobre o que vai ser preciso fazer para ajudar uma parte da classe média que também já não consegue suportar o aumento do custo de vida e não terá como pagar ao banco a casa que julga ser sua. Mas o que mais preocupa é a ideia de que este governo, que leva sempre mais tempo a tomar decisões do que a encontrar culpados exteriores para os seus falhanços, pode não saber aproveitar os quatro anos de maioria absoluta para mudar definitivamente esta economia onde nos arrastamos há décadas.
Não há soluções milagrosas e seguramente não é com mais liberalismo que se resolvem simultaneamente os problemas do crescimento económico e das profundas desigualdades sociais que se entranham numa sociedade onde até parece que existem castas. E onde só por milagre quem nasce pobre não morre pobre. É uma discussão gasta a conversa de mais Estado ou menos Estado, mas podemos começar por aí, se esse é o preço a pagar para mudar de vida. Desde que rapidamente toda a gente perceba que o mais e o menos só têm de ser substituídos por melhor Estado.
O economista Ricardo Reis alertou este fim de semana, no Expresso, para a necessidade de ter, pelo menos, uma "mera atitude de urgência que altere o rumo deprimente do nosso país". E isso não se vê. Verdade seja dita, não se vê no governo, mas também não se vê na oposição, mais interessada em surfar a onda mediática dos casos que importam e dos que não interessam para nada, nem sobrevivem até à próxima polémica. É Marcelo Rebelo de Sousa quem tem de começar a mudar de vida, para que todos nós possamos sonhar com o mesmo. Esqueça o PS e o PSD, o cola e o descola, e pense no país. Vamos passar muito mal e sair mais fracos desta crise, se não começarmos a mudar de vida. Os sinais estão todos aí, a começar na crise energética que nos convoca para uma eficiência que nunca tivemos, mas também para uma redução de consumo a que estamos obrigados.
A economia tem de estar ao serviço da sociedade e ela só nos serve se não deixar multidões para trás ou expulsar multidões deste país que é o nosso. O que mais me impressionou na crónica de Ricardo Reis foi a lembrança de que na última década saíram de Portugal quase um milhão de pessoas. Dez por cento dos portugueses abalaram, fugiram do país onde nasceram, porque esse país não lhes deu garantias de que era possível fazer vida aqui. Aconselho ao Presidente da República a leitura daquele texto para buscar inspiração para um mandato diferente. Um mandato que, no fim, permita recordá-lo como alguém que foi capaz de deixar de lado a intriga palaciana, de que tanto gosta, para se ocupar da liderança de um debate que é urgente. Precisamos de mudar de vida e se contarmos apenas com a vontade de quem nos governa isso não vai acontecer.»
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