26.8.22

Apanhada em flagrante alegria

 


«O título dizia: “Primeira-ministra finlandesa apanhada a...” e depois era preciso abrir a notícia para ver o resto. Fiquei interessado, evidentemente. Se, estando eu em Portugal, alguém queria informar-me acerca do que a primeira-ministra finlandesa tinha sido apanhada a fazer, o mais provável era que o assunto fosse importante. Não nos chegam assim tantas notícias sobre a actualidade finlandesa, que parece ser, aliás, bastante desinteressante. Só mesmo o mais relevante passa no crivo e é digno de ser noticiado. O que seria, desta vez? Teria ela sido apanhada a desviar fundos? A mentir no currículo? A combinar com um amigo rico a entrega de fotocópias? A espancar um gatinho? Abri a notícia: “Primeira-ministra finlandesa apanhada a dançar.” Portanto, fui ler o texto. Teria sido apanhada a dançar com Vladimir Putin? Num velório? Sobre o cadáver de um adversário político? Não, estava mesmo só a dançar. Nem a música ofendia grupos oprimidos nem a dança constituía apropriação cultural. Nada. Estava a dançar numa festa privada com amigos. Ou seja, o contrário teria sido mais relevante: “Primeira-ministra apanhada a não dançar em festa. Finlandeses devem pensar se querem continuar a ser liderados por macambúzia.” Mas, se ser apanhado a dançar numa festa é problemático, acaba por ser difícil imaginar o que poderá ser escandaloso na Finlândia. Receio que “primeira-ministra apanhada a contemplar linda paisagem”, “primeira-ministra apanhada a ler um romance” ou “primeira-ministra apanhada a comer uma sobremesa” possam ser futuras notícias. Rapidamente surgiu um movimento de repúdio pelo facto de ter havido escândalo por uma primeira-ministra ter sido apanhada a dançar. Como quase sempre acontece com os movimentos de repúdio, este estava a repudiar a coisa errada. O que causou escândalo não foi o facto de a primeira-ministra estar a dançar. Se ela tivesse sido apanhada a dançar uma valsa vienense, muito composta, com amigos igualmente graves, ninguém se teria sobressaltado. Mas ela parecia mesmo estar a divertir-se, o que é sempre difícil de tolerar. A líder da oposição pediu que fizessem um teste de detecção de drogas à primeira-ministra, de tal modo era implausível que uma pessoa pudesse estar tão satisfeita na Finlândia sem o auxílio de estupefacientes. Devo dizer que compreendo a suspeita, até porque já fui à Finlândia. Incrivelmente, no entanto, o teste veio negativo.»

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