26.9.22

Novo aeroporto: sobre a arte de não decidir com todo o rigor e método

 


«Quando António Costa disse que uma decisão com o impacto da localização do novo aeroporto não podia ser tomada sem o acordo do PSD muita gente parece tê-lo levado a sério. Uma credulidade estranha, quando uma das imagens de marca desta maioria absoluta é não aceitar qualquer contributo dos partidos da oposição.

Mais estranho é haver quem acredite que o ralhete do primeiro-ministro ao seu ministro das Infraestruturas teve a ver com o respeito escrupuloso pela metodologia de decisão. É preciso ter andado muito distraído nos últimos anos. O único tema que interessa a Costa no aeroporto tem três nomes: Pedro Nuno Santos.

Basta comparar o triste episódio de junho com o silêncio do primeiro-ministro quando o ministro da Economia decide anunciar, por sua conta e risco, uma decisão que cabe ao Ministro das Finanças. E basta ver como o primeiro-ministro resolveu garantir, numa entrevista, que o ministro das Infraestruturas não participaria nas negociações e apenas executaria o que fosse acordado com Luís Montenegro. Uma impossibilidade prática rapidamente desmentida. Como é evidente, o gabinete do primeiro-ministro não tem preparação para um tema que é quase exclusivamente técnico. Esteve lá, aliás, só para mostrar que o ministro não manda.

Portugal adora pactos de regime sobre o que é natural e saudável que haja alternativas para o regime. Não debate escolhas ideológicas e políticas porque todas elas, sobretudo desde que aderimos à moeda única, são apresentadas como inevitabilidades técnicas. Prefere alimentar divergências técnicas que resultam, geralmente, de pressões de grupos, lóbis e egos - e não de qualquer clivagem política relevante.

A única escolha política essencial em torno do aeroporto é se ele deve ser feito. Há quem ache que devemos abandonar, em nome do ambiente, a aposta no transporte aéreo. Há quem ache que isso, num país periférico como Portugal, seria um suicídio. Seja como for, essa escolha dependeria, em parte, de outra, que já foi (mal) feita: a nossa ligação à alta velocidade ferroviária europeia. E como desistimos nós dessa ligação? Da mesma forma que desistimos, há anos, de fazer um novo aeroporto: prolongando até à náusea o processo de debate que acabou em nada. Há países onde se fazem estudos para tomar decisões. Aqui, eles são feitos para as evitar.

Quando se demora 50 anos a tomar uma decisão é natural que, a dada altura, ninguém aceite ser derrotado nesse debate. No caso do aeroporto, há uma parte técnica, que terá a ver com o impacto ambiental, com o planeamento territorial e com a viabilidade económica. E há outra parte mais rasteira, que tem a ver com os interesses (sobretudo os especulativos) que se vão mexendo em torno de cada localização. Se o poder político mostra sinais de indecisão permanente – e se ainda por cima o primeiro-ministro fragiliza politicamente o ministro que tem esta pasta –, esses interesses vão pressionando cada vez mais, alimentando, eles mesmos, a indecisão.

Depois dos encontros com Luís Montenegro, que não terá pensado na localização do novo aeroporto mais do que a semana anterior a ter de dizer qualquer coisa sobre o assunto, o resultado foi recuarmos 15 anos. Vamos estudar tudo outra vez, com todas as localizações de novo, como se nada tivesse sido discutido até hoje. Voltámos à estaca zero. Na realidade, voltámos à estaca menos um, porque às localizações que já tinham sido propostas – Alcochete e Montijo –, juntou-se Santarém. E abre-se a porta para o regresso de Alverca ou, quem sabe, da Ota.

É o processo de decisão mais absurdo que alguma vez se viu e o Presidente, que adora estes momentos lúdicos da política, aplaude. Tão absurdo que até há espaço para levar a sério a proposta de Santarém, defendida pelo grupo Barraqueiro, que se dedica a transportar pessoas por terra.

De Santarém ao Marquês de Pombal, no centro de Lisboa, são 82 quilómetro de distância. Dirão: Londres tem um aeroporto a 60 quilómetros. Sim, mas é um de quatro aeroportos, não o principal. Heathrow é a 22,5, Luton a 54, Gatwik a 44 e Stansted a 62. E a atratividade de Londres é um nadinha superior à de Lisboa. Se falarmos de aeroportos comparáveis com o de Lisboa, que teve cerca de 30 milhões de passageiros em 2019, vemos que o de Copenhaga a 13 quilómetros, Bruxelas a 14, Manchester a 14, Zurique a 14, Viena a 22, Milão a 40, Oslo a 45. Ou seja, os piores são a quase metade da distância. Nada existe que seja semelhante ao que é proposto.

A uma distância destas existiriam comboios expresso, como em Oslo ou Gatwik, cujos preços andam na casa dos 20 euros por pessoa. E é o meio mais caro para chegar ao centro. Há outros, como comboio regular ou autocarros. A 80 quilómetros, numa cidade onde a estadia média é de apenas 3 dias, só esse seria viável. Ninguém, numa viagem de 3 dias, quer perder horas para sair e depois para chegar ao aeroporto. Serviço expresso que, para ser competitivo, tem de ter uma regularidade bastante elevada e um preço baixo. Não deixa de ser curioso ver sectores que se insurgiram contra a taxa turística em Lisboa, na altura de um euro por noite, porque iria matar a “galinha dos ovos de ouro” do turismo, agora defenderem um aeroporto a uma distância tal que só será compatível com comboios expresso a 20 ou 30 euros. A não ser, claro, que a ANA pague o prejuízo operacional da linha de comboio dedicada. Quem acredite que compre.

No cenário mais otimista, Portugal vai perder, até 2027, 9 mil milhões de euros sem um novo aeroporto em Lisboa. É verdade que a Vinci podia estar a ganhar dinheiro com o novo aeroporto. Mas enquanto o pau vai e volta folgam as costas e continua dispensada de cumprir uma parte do contrato de privatização (ruinosa para o país): ter de pagar a construção de um novo aeroporto para Lisboa.

Aparentemente, o dinheiro não nos faz falta. A sucessão no PS vale isto tudo. Não sei o que o primeiro-ministro sabia ou não sabia sobre o que Pedro Nuno Santos anunciou há uns meses. Podemos todos fazer um esforço para acreditar que o presidente da Vinci sabia, que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa sabia, que quase todos os jornalistas que cobrem este tema sabiam e que o primeiro-ministro era o único que estava a leste. Ou podemos perceber que a incapacidade de tomar decisões que tenham um horizonte superior ao de cada crise associada às suas mesquinhas vinganças palacianas determinou esta ridícula situação, em que se prolonga a agonia de uma escolha que, sendo técnica, não precisa de pactos constitucionais.»

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1 comments:

António Alves Barros Lopes disse...

Ao derredor de Lisboa há pistas em quantidade suficiente que, adaptadas, aliviariam a Portela. Sem necessidade de invenções!