25.10.22

É o colonialismo, estúpidos

 


«Quando vi pela primeira vez o vídeo, disse aos meus botões: - "Isto só pode ser fake!". Passei adiante. Mas depois voltei a vê-lo, repassado por várias fontes credíveis e reputadas. Não posso ignorar a minha própria indignação, que, necessariamente, inclui o responsável pelas frases abjetas que proferiu e também a honorável imprensa mainstream do Ocidente, a qual, olimpicamente, as ignorou.

Refiro-me às declarações do responsável pelo pelouro das relações exteriores da União Europeia, Josep Borrell, feitas num encontro recente com estudantes na Bélgica (isto é, as futuras elites europeias). Afirmou ele, sem qualquer rubor na face: - "A Europa é um jardim. Nós construímos um jardim. É a melhor combinação entre liberdade política, prosperidade económica e coesão social. A maioria do resto do mundo é uma selva. E a selva pode invadir o jardim. Os jardineiros precisam de ter cuidado!"

Como é possível que uma afirmação destas, tresandando a colonialismo e racismo por todos os poros, não mereça por parte da grande mídia ocidental, assim como dos seus intelectuais liberais e autoproclamados os únicos democratas à face da Terra, o menor reparo?

Na realidade, pelo menos uma voz se levantou, embora o eco do seu protesto não tenha sido devidamente repercutido pelos meios de comunicação globalmente dominantes: o eurodeputado belga Marc Botenga, do Partido dos Trabalhadores. Eis a sua declaração: - "Muita gente em África, na Ásia e na América Latina lembra-se da maneira como sempre foi tratada pelo colonialismo em nome da civilização, ou seja, como animais selvagens, escravizando-os, torturando-os e inclusive exibindo-os em zoos humanos. Assim, quando o principal diplomata da União Europeia considera o resto do mundo uma selva, a mensagem que essas pessoas escutam é que a Europa continua dominada e conduzida por uma visão colonialista. Não podemos deixar passar essa mensagem!".

A verdade, nua e crua, é que essa mensagem continua a passar e a ser a mensagem dominante. O "jardim" hegemónico, isto é, a região geográfica constituída pela Europa Ocidental e pelos Estados Unidos da América, é uma sangrenta construção edificada graças à exploração das demais regiões do mundo e os "jardineiros" farão tudo para que continue a sê-lo.

Para mencionar unicamente o caso de África, o mundo unipolar em que vivemos, configurado e liderado pelos EUA e do qual a União Europeia é um mero apêndice, está desenhado para que o continente em questão continue a ser um mero fornecedor de matérias-primas. Outro vídeo gravado secretamente e distribuído pelas redes sociais mostra um líder ocidental confirmando tal estratégia. As suas palavras são brutais: - "A África subsariana tem sido fundamental para a prosperidade dos países avançados. O seu papel é de fornecedor de matérias-primas. Nós faremos tudo para que África continue a sê-lo, o que significa que todas as estruturas económicas, todas as instituições globais e todos os centros académicos devem ser desenhados para manter África na situação em que ela está, inclusive na pobreza".

Como intelectual africano, não me basta, obviamente, culpar o Ocidente e as suas elites. Nós, africanos, dos cidadãos comuns aos governantes, passando pelas diferentes elites existentes, temos um papel a cumprir. A redefinição das estratégias de desenvolvimento dos nossos países, a adoção de modelos democráticos que funcionem (o que inclui, ao mesmo tempo, reforçar as instituições republicanas e articular a democracia liberal com os nossos valores e práticas culturais, tarefa perfeitamente possível se houver vontade política), o combate sistémico, abrangente e inteligente (e não apenas jurídico-penal) à corrupção são algumas das nossas obrigações.

A dignidade é fundamental, tal como os pais das nossas independências nos ensinaram (e mau grado os erros posteriores que muitos deles cometeram). Para começar, podemos exigir aos nossos governantes que declarem o execrável chefe da diplomacia da União Europeia persona non grata nos nossos países.»

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