«Perante as alterações climáticas, a população mundial paga duas vezes – consequências na saúde e contribuição para a acumulação de capital das grandes companhias poluidoras.
A primeira Cimeira da Terra sobre as alterações climáticas foi em 1992 no Rio de Janeiro, no quadro das Nações Unidas, 20 anos depois da primeira Declaração sobre o Meio Ambiente Humano. No entanto, logo no mesmo ano estabeleceu-se entre as nações “ocidentais”, e não só, o Acordo da Livre Troca e, dois anos depois, a Organização Mundial do Comércio (OMC). Aqui ao lado, em Madrid, organizámos por essa altura o primeiro Foro Alternativo – Las Otras Voces del Planeta e a Greenpeace conseguiu trepar para o tecto do grande pavilhão da reunião dos gigantes da economia e lançar uma chuva de imitação de dólares, que fez escândalo.
Mas o quadro estava traçado. As "big oil", grandes produtores dos combustíveis fósseis, os produtores de gás com efeito de estufa, tornaram-se invencíveis. E os poderosos toleraram os ambientalistas. De 2010 a 2012, comprar localmente tornou-se ilegal e assim já o era em 2014 na União Europeia e no Japão. E, deste modo, compramos fruta vinda da África do Sul, da Argentina ou de Israel, que veio a poluir os ares e os mares. Lá se vão os sabores e entram os aditivos para ficarem duráveis e lustrosas. Desde 1992, não há nenhuma lei significativa aprovada pelo Congresso dos EUA e Joe Manchin, presidente da comissão sobre energia e recursos naturais do Senado, é proprietário de duas minas de carvão. As instituições públicas portuguesas só em 2019 é que introduziram tímidos factores de escolha na publicação de compras públicas, que talvez permitam comprar localmente. Anteriormente, era impossível.
Quando os grandes da economia, como os Estados Unidos da América ou a China, investem nas eólicas, são evocados pelos outros as regras da OMC, em nome dos acordos da livre concorrência. Isto tem sido chamado ganância, a palavra é capital e está legislado. O suicídio colectivo está na lei e tem autores.
Consequências para a saúde
Quando no Verão, em Portugal e Espanha, se atingiram 45 graus Celsius e 40 no Reino Unido, aquilo a que assistíamos nos ecrãs da televisão era igual às imagens com que nas escolas assustavam com o inferno eterno as crianças que pecassem.
Afinal, o inferno chegou mais cedo e quem peca são “os importantes”. No último Verão, só numa semana, em Portugal e Espanha houve mil mortes devidas ao calor. Recorrendo mais uma vez às revisões científicas da revista Lancet de há um ano, “nos últimos 20 anos, a mortalidade relacionada com o calor nas pessoas com idade superior a 65 anos aumentou mais de 50%”. Em Novembro de 2022, várias revistas científicas, entre elas o New England Journal of Medicine, elencaram os riscos para a saúde. Desidratação, défice renal, problemas dermatológicos, mal-estar mental, complicações na gravidez, alergias, factor de risco ou mortalidade nas doenças cardiovasculares e pulmonares. E o 6.º relatório da Organização Mundial da Saúde, de 2021, com um largo painel de especialistas, publica detalhadamente as causas e os efeitos.
Entretanto, com o calor, os glaciares fundem-se, a água avançou pelo Norte do Paquistão e, naquilo que foram cidades, parecia um mar bravo. E não havia Arca de Noé… Por isso, o antigo ministro do Ambiente e conselheiro do primeiro-ministro entre 2018 e 2022 Malik Amin Aslam culpou os países poluentes pelas inundações e disse que “será necessário talvez um Tribunal Climático Internacional”. Com grande pressão, para além das boas intenções, as “perdas e danos”, os desgastes irreversíveis, serão compensados por uma espécie de multa decidida na Cimeira do Egipto de 2022. Mas reflorestar ou pagar cota para poluir é apenas uma espécie de bula. Entreter os jovens e os adultos com os cuidados na separação dos lixos e acabar com as palhinhas de plástico é uma boa acção…
Paralelamente, é possível ver no YouTube grandes investigadores, com nome e instituição memorável, a dizer que tudo isto são criações científicas a apelar à intervenção dos Estados, que variações climáticas sempre houve ao longo dos tempos. São pagos por think tanks, grupos de investigadores ao serviço das "big oil”. Têm nomes e têm sido publicados nos EUA (estima-se em 500 milhões de dólares por ano, segundo o climatologista Manfred E. Mann).
Perante isto, é bom que os jovens se inquietem. Se não forem eles, quem será? Houve um salto geracional e é em unidade que se tornaram “ocupas”. Um novo salto é necessário para perceberem e localizarem bem as origens, os autores do inferno e do dilúvio e que passem a incomodar a sério os “senhores barqueiros” que nos estão a cobrar a portagem para o nosso próprio suicídio.»
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