«A política também é a gestão da perceção e António Costa conseguiu que a sua remodelação não fosse percecionada por quase ninguém. Com o país concentrado na caminhada para os oitavos de final, até podia ter remodelado o governo todo que, desde que não retirasse Ronaldo e Bruno Fernandes, ninguém queria saber.
A saída dos secretários de Estado da Economia e do Turismo é compreensível. João Neves pensou que desautorizar o seu ministro, no caso do IRC, não era prerrogativa exclusiva do primeiro-ministro e dos seus amigos – incluindo Mendonça Mendes. Rita Marques foi acusada de usurpação de poder num processo e não podia ficar depois de Miguel Alves sair.
Aproveitando a boleia, o primeiro-ministro escolheu o substituto de Miguel Alves, precisamente. Escolher alguém próximo para este cargo é, no caso de um secretário de Estado Adjunto, obrigatório. E o sinal de ser próximo, já se percebeu, é ter passado pelas mãos de Lacerda Machado, o que foi o caso de Miguel Alves e de Mendonça Mendes.
Quanto a ser irmão da ministra dos Assuntos Parlamentares, que até devia cumprir parte da coordenação política que se espera de Mendonça Mendes, não foi uma que escolheu o outro, por isso não vejo onde esteja o problema. Será mau para a imagem de um governo que andou a penar com o familygate? Talvez, apesar de ninguém estar a olhar. É seguramente mau para a coerência do primeiro-ministro. É que veio dele a ideia de que familiares não podem conviver no Conselho de Ministros. Por isso Ana Paula Vitorino não teve lugar ali, porque nunca poderia ser o seu competentíssimo marido a sair. Os princípios de Costa são tão remodeláveis como este governo.
Era suposto este ser o governo mais político de António Costa. Aquele onde, por isso mesmo, haveria menos problemas políticos ou eles seriam mais facilmente resolvidos. Só que o círculo de confiança de Costa está cada vez mais apertado. Fora os três herdeiros em que deposita confiança - Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina e Pedro Adão e Silva –, sobra pouco que seja apresentável.
Talvez tudo isto seja inevitável. Esta maioria absoluta, conquistada fora de tempo por circunstâncias excecionais (uma queda inesperada, sondagens absurdas que davam um empate improvável e um PSD pouco claro em relação ao Chega), foi oferecida ao PS quando já vinha desgastado por seis anos de poder e dois de pandemia. Se os últimos anos de Cavaco absoluto, em condições políticas muito favoráveis e quando o dinheiro jorrava, foram penosos, estes prometem arrastar-se dolorosamente. Custa acreditar que um carro que perde tantas peças em oito meses consiga circular mais três anos. Mas depois olha-se para a alternativa...»
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1 comments:
Os pneus gastam-se mais depressa em maioria acelerada.
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