30.12.22

Não façam caso dos casinhos

 


«O aspecto mais interessante do kickbox é o facto de ser um desporto praticado por pessoas para as quais o boxe não é suficientemente violento. “Além de atacar o adversário a murro”, terá pensado alguém, “eu também gostaria de poder agredi-lo a pontapé”. E assim surgiu esta linda modalidade. Às vezes, quando estou a jogar com o meu treinador (ele designa ataques selvagens à minha integridade física com o verbo “jogar”), levo alguns toques (“toque” é o eufemismo habitual para um soco no queixo ou um chuto no fígado). Como infelizmente sou ainda um ser humano, apesar dos esforços do treinador para que eu corrija essa minha característica absurda, socos e pontapés têm tendência a provocar-me sensações desagradáveis, que eu exteriorizo sob a forma de guinchadeira. É muito frequente o treinador interromper o treino para, com alguma impaciência, me dar a seguinte sugestão: “Não faças tanto caso dos meus golpes.” Recordo que eu pago para ele me aplicar os referidos golpes e me infligir as ainda mais dolorosas sugestões.

Ser governado por António Costa assemelha-se bastante a um treino de kickbox. Ele também se enfada por nós fazermos tanto caso de casinhos sem importância. E também somos nós que estamos a pagar os golpes. Fala-se muito do preço dos combustíveis e dos bens alimentares, mas onde a inflação se nota a sério é nos secretários de Estado. No meu tempo, os secretários de Estado eram mais baratos. Agora estão caríssimos. Em poucos meses, aquele secretário de Estado adjunto teve uma ideia para um pavilhão transfronteiriço inexistente que custou 300 mil euros, e depois a nova secretária de Estado do Tesouro protagonizou uma demissão que ficou em meio milhão. O comunicado da TAP à CMVM dizia que “Alexandra Reis (...) apresentou (...) a renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando novos desafios.” Em princípio, só por ser um documento oficial, não terminou com o desejo: “Voa, passarinho.”

Os meus pais foram trabalhadores da TAP durante décadas, mas permaneceram nos seus cargos até à reforma, armados em parvos, nunca lhes ocorrendo abraçar novos desafios a troco de 500 mil euros. Os trabalhadores que lá continuam fazem periodicamente umas reivindicações laborais que indicam a intenção suspeita de não renunciar aos cargos que ocupam. É o que se chama estar agarrado ao lugar, e é provavelmente por isso que não são premiados como quem tem o desprendimento de renunciar e abraçar novos desafios. Querem ser remunerados a troco de trabalho, que é uma coisa tão prosaica e mesquinha. Abracem novos desafios, medricas.»

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