17.1.23

O pão nosso de cada dia

 


«A pão e água, o ser humano consegue sobreviver muito tempo e possivelmente não haverá hoje quem morra de fome em Portugal. No entanto, nos anos 60 do século passado, ainda eram passadas cerca de trezentas certidões de óbito por ano tendo como causa de morte a fome. Quer dizer que essas pessoas não tinham nem pão, nem água. Portanto hoje, no nosso país, não se morre de fome, mas talvez alguns “morram” de vergonha, pedindo algures o que comer.

Nos resultados do Inquérito Alimentar Nacional e Actividade Física publicados em 2016 (IAN-EF, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto), verificava-se que 49% dos portugueses não tinham alimentação saudável e 10% tinham insegurança alimentar. Esta última significa que essa população tem diariamente que procurar a “solidariedade” e a sua vida está dependente dela.

Como se sabe, para além do pão e da água, o corpo humano, para viver com saúde, precisa de vegetais, de lacticínios, de fruta e de outras várias fontes de proteína.

Ora acontece que desde 2016 aconteceu o esperado e o inesperado. Infelizmente não há apoios financeiros para fazer um estudo de seguimento com a mesma amostra de população, nem sequer um estudo transversal para analisar vitaminas e sais minerais no sangue de uma amostra significativa da população.

Os preços dos alimentos

Mas não é difícil imaginar como terão aumentado os números desde 2016. Sabe-se que 25 por cento da população está abaixo do limiar de pobreza e que seriam 40 por cento se não houvesse apoios. Os cereais (o pão, o milho, as massas) têm inflação elevada, por redução da oferta.

Em Novembro de 2022, os preços de produtos alimentares e bebidas não alcoólicas eram 20 por cento superiores aos do mês homólogo de 2021. Os produtos alimentares não transformados (por exemplo, fruta e vegetais) tiveram cerca do dobro da inflação quando comparados com o total de produtos alimentares e bebidas (INE). Quanto ao preço da energia, essencial para cozinhar, subiu 24,7 por cento no mesmo período. As desigualdades aumentaram e no continente afectam mais a região de Lisboa. Isto vai na onda do resto dos países do mundo, dentro de cada país e entre países. “É o mercado, estúpido!” É pois a consequência do neoliberalismo, embora neste momento “a economia” peça apoio aos Estados.

Entretanto, nada disto afecta os mais ricos de Portugal. Em Novembro de 2022, vinte e cinco famílias detinham um património somado de 25,4 mil milhões, que se comparam aos 22,1 do ano de 2021 (Revista Exame, Dezembro de 2022). Entre eles, os que detêm as empresas de distribuição de alimentos.

Em face destes números, não sei como dormem descansados os responsáveis políticos e como é o sono dos vinte e cinco “ricos”. Desassossegado? Ou acham que é “a ordem natural das coisas”? E não me venham falar em “criação de riqueza” e “criação de emprego”. A maior parte destas empresas/famílias não fabrica produtos de valor acrescentado, nem investe capital de risco para desenvolver a investigação e a tecnologia. A maioria dedica-se ao comércio, à construção, ao rentismo, às áreas petrolíferas e financeiras. Solidariedade e mecenato são bem-vindos, descontam nos impostos, mas são muito regateados.

E, no entanto, há alguns pequenos remédios à mão para socorrer este mar de aflições. Desde já, tornar a redução do IVA extensiva a mais produtos alimentares, tal como foi reclamado pela Ordem dos Nutricionistas (o IVA é transversal a todas as classes sociais). E, evidentemente, subir os salários. Dirá o representante da Confederação da Indústria, António Saraiva, que as empresas não têm margem para isso. Claro que as pequenas e médias empresas não têm e grande parte delas próprias estão periclitantes. Mas as grandes, as dos vinte e cinco e outros, têm e está bem à vista. Estamos a falar dos conselhos de administração e dos accionistas? É uma questão de escala e de legislação. Recorrendo aos tempos em que se falava com palavras simples e que, em relação à guerra, o deputado António Gonzalez soltava uma pomba branca no Parlamento, é altura de evocar as palavras do falecido Acácio Barreiros: “Os ricos que paguem a crise!” E ainda lhes sobram uns trocos.»

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