«Não é de hoje que defendo um escrutínio prévio e público de quem é proposto para ministro (não sei se é viável, pela quantidade, alargá-lo aos secretários de Estado). Ao contrário do que tenho lido, não desresponsabilizaria o Governo. Não deixariam de ser o primeiro-ministro e os ministros os responsáveis pela indicação dos nomes, de que eles próprios têm o dever de saber o máximo possível. O que reduziria era as consequências do erro na escolha, impedindo que as coisas só sejam públicas quando o mal está feito, obrigando a remodelações sucessivas, que tornam cada vez mais difícil, depois de cada incidente, selecionar pessoas competentes e politicamente preparadas. Quando se procura uma solução, não se procuram formas de entalar os responsáveis políticos, mas de garantir um melhor funcionamento do sistema.
O sistema que defendo é o “vetting” (o termo democratizou-se nestes dias) por via parlamentar. Que os candidatos fossem a uma comissão expressamente criada para o efeito, onde se deveriam fazer todas as perguntas e exigir todos os esclarecimentos. Onde, por ser público, acabaria a dúvida de saber se as perguntas foram feitas e se foram respondidas. Um momento em que tenderiam a aparecer as notícias guardadas para depois das nomeações. Se aparecerem depois, só poderia ser por má-fé.
Esta comissão não deveria ter qualquer poder de veto porque, e só nisso concordo com o primeiro-ministro, isso implicaria uma alteração do nosso sistema político e distribuição de poderes. Usar a Comissão Europeia como modelo é má ideia (é sempre, quando queremos modelos democráticos nacionais ou mesmo federais), porque a sua composição depende da indicação dos governos e o poder de veto é o mínimo que se dá à Europa, representada no Parlamento, como um todo.
Mas servindo apenas para fazer o escrutínio, a questão da subversão do semipresidencialismo não se põe. Esse escrutínio deveria ser sempre anterior à indicação do nome ao Presidente da República, não permitindo que o primeiro-ministro corresponsabilize o chefe de Estado pela escolha antes de se saber mais sobre ela. Seria com base nesse escrutínio que o Presidente decidiria se dava posse (e, já agora, que o primeiro-ministro decidiria se mantinha a proposta). Tudo público e transparente.
Como fez notar Sebastião Bugalho, a indemnização a Alexandra Reis, o processo de Miguel Alves e a acusação ao marido de Carla Alves eram de alguma forma públicas e anteriores às suas nomeações. Muito provavelmente surgiriam num escrutínio prévio, mesmo que o PS não o quisesse. E ter-se-iam evitado as suas nomeações e as remodelações. Talvez ministros, primeiro-ministro ou os próprios nem sequer arriscassem.
Claro que a pior pessoa e o pior momento para lançar este debate foi o primeiro-ministro quando ele e os seus ministros falharam clamorosamente nas suas funções, que este sistema apenas corrigiria, sem substituir: a de saber que pessoas levam para o Governo. O primeiro escrutínio é sempre feito no próprio Governo. E é fácil perceber que o objetivo do primeiro-ministro foi tratar como sistémica uma falha que foi sua. Isso não impede que se aproveitem crises com responsáveis para melhorar o sistema que temos. A política exige a responsabilização, mas não se limita a isso.
O questionário de 34 perguntas aprovado na última quinta-feira em Conselho de Ministros não é mais do que um guião interno de mínimos de bom senso. Grande parte das perguntas são as evidentes para quem esteja habituado ao escrutínio. Tem como únicas vantagens homogeneizar procedimentos internos e permitir saber, à posteriori, o que foi perguntado e respondido, evitando várias dúvidas que se instalaram nas várias polémicas recentes. No máximo, protege os ministros e o primeiro-ministro e responsabiliza nomeados pelas informações que dão e não dão, o que não nos diz respeito. Não muda nada do essencial, porque não permite que aconteça antes de do primeiro-ministro apresentar ao Presidente a sua proposta um verdadeiro escrutínio. É apenas uma salvaguarda para quem não tem sabido fazer escolher quem põe no Governo.
Quanto à destruição das respostas ao questionário, compreendo no caso da pessoa não ser escolhida – se o escrutínio não é público não há razão para se saberem as respostas sobre a sua vida de quem não vai ocupar um cargo político – acho inaceitável que isso aconteça quando a pessoa que foi mesmo nomeada terminar o mandato. O objetivo é qual? Esconder factos se não forem notícia? Se tudo estava bem para ser nomeado, o que há para esconder? Se era difícil levar a sério este questionário, com este bónus de opacidade vale mesmo zero para o país.
NOTA: Guardo, em princípio para o próximo texto do semanário, a análise da enorme manifestação de professores deste sábado. Penso que ela merece esse destaque e atenção, um pouco para lá do impressionismo do momento.
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