«"O que queremos é uma maioria absoluta que não esteja morta". A frase é do presidente da República. Foi dita no rescaldo de uma entrevista, neste arranque de semana, em que António Costa se escudou na maioria absoluta, conseguida em janeiro do ano passado, para jurar que será primeiro-ministro até 2026. Se um cidadão português vindo de Marte aterrasse neste instante nas notícias sobre a atualidade política e fizesse uma interpretação literal das palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, a conclusão seria mais ou menos imediata, óbvia e brutal: o Governo tem os dias contados.
Se o mesmo cidadão se recordasse, entretanto, que houve eleições legislativas há apenas um ano, ficaria preocupado, e talvez fosse à procura de contexto. Mas poderia aterrar nesta outra frase de Marcelo, dita há um mês, a propósito de uma eventual demissão do Governo: "Não é claro que surgisse uma alternativa evidente, forte e imediata àquilo que existe". E a conclusão seria igualmente óbvia e brutal, mas menos imediata: o Governo tem os dias contados, mas só quando o presidente perceber que o PSD tem condições para ganhar eleições e liderar um Governo.
Não é fácil, de facto, lidar com a velocidade do tempo político em Portugal. Mas é mais ou menos evidente que o presidente, concorde-se ou não, decidiu apostar numa renovada centralidade política, desde que Costa se viu apanhado numa tempestade de casos, casinhos, demissões e escândalos. Marcelo está empenhado numa visão maximalista dos poderes que tem e faz questão de deixar isso bem claro, sempre que pode, ao primeiro-ministro.
É verdade que Marcelo já não goza da popularidade de outrora, como mostrou o mais recente barómetro político da Aximage para o JN. Mas Costa está ainda pior. Depois de anos em que foi o único líder partidário com avaliação positiva, passou a ser o político com maior índice de rejeição. Pior até do que André Ventura, o que não é coisa de somenos. E não deixa de ser paradoxal que o seu atestado de sobrevivência seja afinal a fragilidade do seu principal rival, Luís Montenegro. O líder do PSD não só não capitaliza os descontentes, como perde o pé. Talvez seja mesmo só por isso (a fazer fé nas farpas de Marcelo) que a maioria absoluta, parecendo moribunda, ainda não tenha sido dada como morta.»
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