«É difícil não concordar com o ministro das Infra-estruturas, João Galamba, quando, a propósito do bónus de três milhões de euros previsto para a CEO da TAP, diz que não lhe cabe pronunciar-se sobre se a quantia é exagerada ou não: “Foi o acordado. O Estado é pessoa de bem, o Estado cumpre o que foi acordado.” A ideia de que os acordos devem ser cumpridos parece incontestável. Mas, para dar apenas dois ou três exemplos, tenho visto por aí uns professores, uns enfermeiros e até uns trabalhadores da TAP a insistir nisso mesmo, só que sem grande êxito. Há tempos de serviço que, ao contrário do acordado, não contam; progressões na carreira que, ao contrário do acordado, não se concretizam; contratações de trabalhadores precários que, ao contrário do acordado, não ocorrem. É possível que seja uma regra válida apenas para CEO. Ou, então, é um problema da língua portuguesa, e deve ser corrigido. A partir de agora, o que se combina com um CEO é o acordado; o que se promete a um trabalhador é o adormecido. É provavelmente por isso que os trabalhadores vão para a rua fazer barulho em manifestações: o ruído costuma ser um poderoso despertador. Neste caso, todavia, parece funcionar mal.
A solução, para os trabalhadores, é bastante óbvia — e, no entanto, eles não a vêem. O que há a fazer é muito simples: um enfermeiro especialista, por exemplo, deve constituir uma empresa unipessoal. E é ela que passa a firmar o contrato com o hospital. O enfermeiro continua a ser enfermeiro, mas também é CEO da empresa que factura o salário. A meio de uma operação, o médico deve pedir ao Chief Executive Officer de enfermagem médico-cirúrgica que lhe passe o bisturi. O médico, se for esperto, também irá ao notário registar a sua empresa, para se transformar em CEO de ortopedia. Os professores devem fazer o mesmo. Cada trabalhador é CEO da sua própria firma. São empresas em que reina a paz social, uma vez que o CEO e o funcionário estão em perfeita sintonia quanto à gestão e à política salarial. Também deixa de haver tensão entre grupos de trabalhadores. Às vezes, grupos de trabalhadores de profissões diferentes fazem reivindicações conflituantes. Mas tenho notado que os CEO estão quase sempre de acordo uns com os outros, independentemente da área de actividade. Também haverá paz social no país. Uma coisa é o Estado não cumprir o acordado com professores de matemática, a que ninguém liga; outra coisa é faltar ao prometido aos CEO de matemática, que são gente importante. Creio que tudo se resolverá muito mais depressa.»
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1 comments:
Terá aprendido com o Arnaldo de Matos?
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