11.3.23

Marcelo ou como rebentar o Governo com um sorriso

 


«Marcelo Rebelo de Sousa decidiu, na entrevista que deu ao PÚBLICO e à RTP por altura dos sete anos em Belém, desferir os mais violentos ataques ao Governo desde que se tornou Presidente. Tudo se passou sem levantar a voz, vestindo aqui e ali a velha farda nunca arrumada de analista político, num tom mais ou menos light e ameno. Mas o Presidente foi mortal para o Governo como nunca antes o tínhamos visto – exceptuando a comunicação ao país na sequência dos violentos incêndios de 2017.

É esta a entrevista do corte definitivo do Presidente com o Governo? Pode ser. É verdade que Marcelo garantiu que não dissolvia a Assembleia da República enquanto não houvesse alternativa de Governo (que assumiu ainda não existir), mas pôs evidentemente a dissolução na agenda. Ainda que o Presidente o tenha feito com palavras embrulhadas em papel fantasia (só em situações "patológicas"), a partir de agora António Costa tem uma espada de Dâmocles em cima da cabeça. E não são fontes de Belém – é Marcelo a dizê-lo com todos os "ésses" e "érres". Quando Mário Soares decidiu ameaçar Cavaco Silva com a dissolução, nunca o assumiu em público. Convocou muitos conselheiros políticos para o célebre jantar no restaurante Aviz e debateu com eles uma possível dissolução. Mas nunca a verbalizou de viva voz nem teorizou sobre a sua possibilidade.

O ano perdido da maioria absoluta "cansada", a comparação com a segunda maioria de Cavaco Silva que era a de um executivo em decadência, a governação ao dia, a baixa execução do PRR, o pacote habitação "sete anos depois", o caso TAP e a queda "do ministro mais importante do Governo a seguir ao primeiro-ministro", foi tudo dissecado sem o Presidente pôr a mão por baixo do Governo, condição de que a direita o acusa frequentemente.

Depois de ter acontecido a demissão do "ministro mais importante do Governo a seguir ao primeiro-ministro" (Marcelo só podia estar a referir-se ao PS, e à influência que o ex-ministro das Infrestruturas tinha no partido, porque Pedro Nuno Santos não ocupava nenhum lugar central na hierarquia do Governo), Marcelo pôs o ministro das Finanças quase a prazo, quando o desafiou a fazer um inventário do seu passado, para ver se não descobre alguma coisa que lhe venha a causar problemas. O que sabe Marcelo que nós não sabemos? É o passado de Fernando Medina enquanto presidente da Câmara? É enquanto vereador? Se a questão da TAP já tinha fragilizado o ministro das Finanças – foi ele que contratou Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro sem conhecer a sua vida profissional recente, como afirmou –, o aviso do Presidente é um acto público de lançamento de suspeitas sobre o ministro das Finanças que o fragiliza ainda mais.

Marcelo afirmou que dissolveria se estivesse em causa "o regular funcionamento das instituições" – a expressão inscrita na Constituição que permite ao Presidente demitir o Governo. Para dissolver não precisa de arranjar justificações. Ficou célebre o discurso de Jorge Sampaio quando decidiu dissolver a Assembleia da República em 2004 e acabar com o Governo Santana Lopes por causa de… "episódios".

Depois de sete anos de intensa cooperação Presidente-Governo entrámos em terreno desconhecido. Com uma garantia: enquanto a alternativa não existir, o Presidente não corta. A menos que António Costa decida, em 2024, aceitar o cargo de presidente do Conselho Europeu que lhe pode muito bem vir a cair no regaço.

Como perder uma eleição é o livro da estrela do marketing político português, Luís Paixão Martins, que agora foi novamente chamado pelo PS para tentar inverter o processo de queda nas sondagens. Resta saber se a coisa se resolve com um fixer, ainda que talentoso.»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público (excerto), 10.03.2023
.

1 comments:

Niet disse...

" Os povos fazem tudo " todos os esforcos ",para näo terem que suportar dirigentes providenciais. Será necessário que o "fora-de-série ", para existir sem barreiras,possua
uma forca de ataque superior à que milhöes de eleitores possam desenvolver. Nietzsche, 1887/1888
Portugal continental tem tantos habitantes como a Regiäo Ile-de-France com Paris como capital
nacional; e também tantos como o Bade-Wurttemberg, hoje pulmäo da industria de ponta alemä, e a capital é Stuttgart berco da geracäo fenomenal de Hegel, Schiller,Schelling, Hölderlin inultrapassaveis na filosofia e literatura/poesia mundial.Ora, Paris e Stutgart säo governadas por duas estruturas politico-partidárias eleitas; e se no caso da Cidade-Luz existem rivalidades escondidas entre os autarcas locais e os regionais por causa da guerra contra os automóveis,em Stuttgart o corpo dos eleitos locais e regionais é quase minimo mas näo deixa de ser super-eficiente. O caso da deriva presidencial gestionária de Marcelo, facilitada sem limites por A.Costa como o indica amiude sem disfarce Vital Moreira, faz-nos pensar que o PR Marcelo tem um staff reduzido mas faz muitas " ondas " criticas e o Governo näo acerta na gestäo do seu organigrama funcional inoperante e confuso que a debilidade dos responsáveis ministeriais agrava com a real possibilidade de facilitarem uma dissolucäo intempestiva dos socialistas lusos täo badalados na Europa pelo feito da maioria absoluta. Niet