17.4.23

A nova geração à rasca

 


«Completaram-se este fim de semana 30 anos do protesto que marcou o início de uma série de manifestações da que viria a ser conhecida como geração rasca. Corria o mês de abril de 1993 e a contestação ao aumento das propinas (congeladas desde a década de 1940), decretada pelo Governo de Cavaco Silva, ganhava força. Apostados em dar maior visibilidade à causa, quatro alunos da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Lisboa resolveram aproveitar a presença do ministro da Educação Couto dos Santos numa sessão no Centro Cultural de Belém para lhe exibir a contestação em moldes inéditos até então. Baixaram as calças e nas nádegas podia-se ler: "Não pago".

Depois desse primeiro incidente, houve várias manifestações, algumas reprimidas à bastonada frente ao Parlamento, marcadas pela irreverência, que motivaram um editorial de Vicente Jorge Silva que apelidou de "geração rasca" os protagonistas da contestação estudantil. O ministro caiu, foi substituído por Manuela Ferreira Leite, mas as propinas vingaram. E o rótulo pegou.

Na década seguinte foi recuperado e reciclado aquando dos megaprotestos contra a grave crise social e económica. Foi a 12 de março de 2011, nas vésperas do pedido de resgate externo (o terceiro do país) por José Sócrates, que um movimento nascido nas redes sociais encheu as ruas com a autodenominada "geração à rasca". A chegada da troika e a austeridade imposta no Governo de Passos Coelho não aplacaram, bem pelo contrário, a conflitualidade social. Mais de dez anos, uma pandemia e uma guerra na Europa depois, há várias gerações à rasca com a atual crise inflacionista.

A geração mais qualificada de sempre, a nível académico, não consegue sair de casa dos pais porque ganha miseravelmente, como, aliás, a maioria dos portugueses, que aufere salários brutos abaixo dos 1050 euros. No caso das mulheres, ainda é pior: metade recebe até 987 euros. Enquanto isso, há empresas com lucros galopantes e os cofres do Estado engordam por via do aumento da receita fiscal (mais 8,6% em fevereiro face ao mês homólogo).

Somos um país altamente atrativo para turistas, nómadas digitais, aposentados ricos (chegaram 27 mil nos últimos quatro anos com visto D7) e para quem quer um visto gold com acesso ao espaço europeu. Gostamos de projetar uma imagem de inovação na Web Summit e de modelo de organização na Jornada Mundial da Juventude, mas não cuidamos dos nossos. De quem já não consegue suportar os custos com a alimentação, a habitação, a educação dos filhos. No ano passado, 19 pessoas por dia declararam insolvência. Estamos à rasca mas, ao contrário dos que antes de nós protestaram, aguentamos. Reverentemente.»

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