3.4.23

As casas não vão descer. Os salários vão subir?

 


«Portugal sempre teve este problema: trata de assuntos complexos como se fossem novos, únicos e não tivessem sucedido noutros locais do mundo. Mas em vez de copiar modelos internacionais na habitação, entra na espiral negativa de tornar indesejados os promotores de dimensão capazes de construir casas novas para arrendar a preços controlados. Ou então cria-se um clima anti-estrangeiro - como se passasse a ser possível proibi-los de quererem vir viver e investir em Portugal.

A verdade é que o preço das casas subiu muito nas principais cidades mundiais depois da pandemia. Viver-se num local mais seguro, ou com mais espaço, passou para o topo das prioridades das famílias. Em simultâneo, com a falta de confiança na banca, muitas poupanças foram parar ao imobiliário, incluindo investimentos das Seguranças Sociais, de vários países, em fundos de investimento à escala global. Consequência: subida dos preços. Em Lisboa e Porto quase duplicaram face a 2015 e continuam interessantes (vistos de fora, claro). Aliás, com ou sem Vistos Gold, com ou sem benefícios fiscais, seremos um país cada vez mais internacional - e este é o nosso seguro de vida, tendo em conta que vamos minguar de 10 para 8 milhões de portugueses.

Sabendo então que os preços não vão descer, atuar já é a única forma de evitar um descalabro social. Pôr a máquina do Estado a funcionar é o mínimo dos mínimos - vai suceder? A construção de 26 mil casas, via PRR, é uma pequena ajuda, mas mais importante é a colocação do património vago do Estado no mercado de Habitação. Terrenos urbanos públicos a custos controlados - essencial. Acelerar a burocracia do Estado e das autarquias: gritantemente urgente. Dar benefícios fiscais às cooperativas - excelente alternativa. Simplificar as decisões dos condomínios sobre o Alojamento Local - básico. Já a criação de uma taxa de 20% sobre o Alojamento Local é provavelmente uma violação do Princípio da Igualdade face aos hotéis (que, aliás continuam a surgir sem limitações). Em resumo: afinal, talvez o pacote sobreviva com utilidade, com ou sem devolutos.

Mas, no fim, permanece o problema-base de uma economia aberta: os salários. Quando esta semana o governo anunciou uma série de estímulos para os jovens entrarem no mercado de trabalho, com ordenados acima de 1333 euros, fê-lo através de propaganda pura. Razão: limita esse apoio às primeiras 25 mil candidaturas. Sem a bonificação prevista, a esmagadora maioria das PME portuguesas não o vão fazer. É um justo, mas enorme salto.

Repare-se: num problema tão crucial e com uma medida tão interessante, o governo fica a meio do caminho. Nem sequer garante a medida ao longo de 2023, ou por um ciclo de três anos - numa lógica de "quantos mais, melhor". É como se dissesse, de novo: "Se não cabes nos 25 mil, emigra". Mais: este estímulo potenciaria uma espiral de subida nos salários das empresas, promovendo revisões de escalões de todos os trabalhadores, gradualmente. E o Estado capitalizaria isso via Segurança Social. Mas afinal... 25 mil. Não mais. Dez das grandes tecnológicas instaladas em Portugal limpam os 25 mil candidatos numa penada. E o grosso das empresas nacionais fica com o aviso habitual do IEFP: "Plafond esgotado".

E assim chegamos de novo à Habitação: queremos ou não mais gente com capacidade para pagar uma renda ou uma prestação? Não sejam tão rápidos a dizer mal dos nómadas digitais ou dos estrangeiros a instalarem-se. Finalmente os salários da Europa entraram-nos pela porta dentro. Vamos ter mesmo de mudar. É agora ou nunca.»

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