8.4.23

Mediocridade, fala-baratismo, absoluta ausência de sentido de Estado

 


«A maioria das coisas que as audiências parlamentares sobre a TAP têm revelado ou já eram conhecidas ou, apesar de muito rasgar de vestes, eram comuns nos governos e nas maiorias parlamentares quer do PS, quer do PSD. Elas são hoje “marca” do PS, apenas porque a longa permanência do PS no Governo tem um efeito amnésico sobre o que se passava nos governos do PSD e do CDS, onde, em particular, práticas de completa promiscuidade entre partido, Governo e Parlamento eram consideradas “normais”. É verdade que essa noção de “normalidade” também mudou, quer em termos reais, quer pela actual radicalização do discurso político, que exagera comportamentos habituais para atacar um adversário, esquecendo-se de que o mesmo era comum entre os “nossos”.

Nalguns casos, o resultado de tornar anormal o que era normal, é positivo; noutros, reforça o processo de demonização de práticas normais numa democracia que assenta em partidos políticos e em que a cobardia de muitos responsáveis face ao populismo ajuda a tornar maléficos. O resultado é uma falsa despolitização da governação, quer pela tecnocracia, quer pelo esconder de práticas mais que comuns em democracias consolidadas, como é, por exemplo, o caso inglês. É normal que, numa democracia com legitimidade eleitoral, os partidos no poder “controlem” o poder dos seus governantes, e que os governantes não se considerem acima da ideologia e da política do seu partido. O reverso está muito bem explicado para “totós” na série inglesa Sim, Senhor Primeiro-Ministro e na personagem exemplar de Sir Humphrey.

O problema não está em que haja presença partidária e marca partidária na governação, está na cada vez maior desqualificação e mediocridade do pessoal político nos partidos. E como são o que são, desertificam tudo à sua volta. As audiências da TAP são um excelente exemplo dessa crise de capacidade, competência, gravitas que enxameia a governação, e todo o sistema político no Portugal de 2023. Nem sempre foi assim, mas agora é assim.

Há razões estruturais para que tal aconteça, no processo de crescente divórcio entre os partidos e a sociedade e no seu reflexo no recrutamento e nas carreiras partidárias. Com a ascensão de gente que não tem verdadeira carreira profissional, nem a vida normal dos portugueses com a sua idade, e o seu currículo escasso e falta de experiência, almofadados pelo acesso às regalias de Estado, como deputado, governante, ou assessor, membro de gabinete, etc., é só uma questão de tempo até emergir a incompetência, mediocridade ou um qualquer Princípio de Peter.


O diálogo em email que apareceu nas audiências da TAP, entre um então secretário de Estado e a CEO da TAP, mostra como esta tem pelo menos algum bom senso e ele não tem nada, a não ser asneira. Não me surpreende. Basta ver o que escrevem deputados, dirigentes, responsáveis principalmente do PS, PSD, CDS e da IL nas redes sociais para perceber que este diálogo peca até por defeito.

Este diálogo é um sintoma do modo como nos partidos de poder se está a dar a ascensão e a construção de carreira, que já chega a cargos de governação, de gente que não tem sequer competência para gerir a arrumação de uma esplanada, com pedido de desculpa aos arrumadores de esplanadas. Tudo transpira uma absoluta mediocridade, um fala-baratismo que é hoje parte da pseudo-educação de muita gente nas redes sociais, e uma total falta da noção de Estado, uma coisa vaga, mas que, quando não se tem, brilha no escuro. Acresce que muitos dos políticos actuais que vêm das “jotas” vivem de dizer enormidades nas redes sociais, que os jornalistas amigos valorizam em tweets e na imprensa. São todos muito engraçadinhos.

O Presidente da República teria pedido uma alteração de horário de um voo regular da TAP, uma coisa que não se devia pedir, e que já se sabe nem sequer veio do Presidente. O então secretário de Estado apoia junto da CEO da TAP a pretensão com argumentos politicamente infanto-juvenis, que são uma janela completamente aberta sobre a cabeça, a formação, os hábitos políticos, a mentalidade do dito. Na cabeça dele e, pior ainda, na escrita dele, havia que aceitar a sugestão de adiamento do voo porque o Presidente podia zangar-se e deixar de apoiar o PS na questão da TAP: uma palavra dele e tudo ficaria perdido, o país voltar-se-ia contra “nós” (Governo e PS). Em si, é um incidente ridículo, mas ganha outra dimensão porque o pedido vem do lugar do poder e de um homem com poder de decisão. Ele, na verdade, está a mandar, não a pedir. E fá-lo com uma segurança e uma jactância inaceitáveis.

O Presidente da República tem muitos defeitos, mas a reacção pavloviana que o dito secretário de Estado lhe atribui imaginariamente é, pura e simplesmente, insultuosa. Como de costume, em muito deste palavreado que se aprende na Cloaca Maxima das redes sociais, o que se revela é um espelho. O que ele diz do Presidente é a imagem reflectida de si próprio, capaz de começar uma relação de ódio porque alguém o contrariou numa trivialidade, o que se compreende quando a vida, o jogo do poder e pelo poder, é feita de coisas menores e triviais. O ambiente das carreiras partidárias no topo dos gabinetes e no baixo das secções e federações é assim. Esta gente está a destruir o Governo, por muita maioria absoluta que ele tenha, e a fazer um enorme dano ao país.»

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