«Podíamos fazer uma colecção de cromos cujo título na capa da caderneta fosse “Populismo é...”. Se os políticos parecem baralhados sobre o que é o populismo, imaginem os nossos filhos.
Aqui vai uma modesta contribuição.
1. Populismo é dizer que os imigrantes entram em Portugal “de qualquer maneira” para usar “os nossos bens públicos”, como ouvi há dias no Parlamento.
Há 660 mil estrangeiros legais em Portugal que contribuem para o sistema da Segurança Social (SS).
Esta semana, foi revelado que a SS tem um excedente de 4000 milhões de euros, o maior em mais de uma década. Das receitas da SS, 13% são pagas por trabalhadores estrangeiros.
Em 2021, os trabalhadores estrangeiros contribuíram com 1200 milhões de euros para a SS, na altura um recorde.
Em 2022, os trabalhadores estrangeiros contribuíram com 1500 milhões de euros para a SS, um novo recorde — mais 19%.
O Observatório das Migrações já mostrou que os imigrantes dão muito mais do que aquilo que recebem do Estado português.
Estas contribuições são pagas por muitos dos 95.122 cidadãos dos Países de Língua Oficial Portuguesa que trabalham em Portugal (eram 100.928 em 2010) e os 21.015 nepaleses (eram 797 em 2010) e os 9916 bangladeshianos (eram 1007 em 2010) e os 6381 paquistaneses (eram 2604 em 2010).
Mas também pelos 16.981 espanhóis (eram 8918 em 2010) e os 28.629 ucranianos (eram 49.505 em 2010) e os 46.239 britânicos (eram 17.202 em 2010).
Sim, há ilegais, há tráfico humano e há até — imagine-se — um esquema de venda de cartas de condução falsas a motoristas estrangeiros de TVDE, como ainda ontem ouvi no Parlamento. Mas são a excepção.
Desde 2015, o peso das contribuições dos trabalhadores estrangeiros no sistema português aumentou de 3% para 13% — são mais 400 mil trabalhadores a contribuir em oito anos.
Entre o que os estrangeiros pagaram ao Estado e o que receberam do Estado, o saldo foi de 968 milhões de euros — 968 milhões de lucro para o país. Não é menos, é mais.
Legenda para pôr na caderneta dos cromos: os imigrantes estrangeiros usam “os nossos bens públicos”, é verdade, mas pagam por eles e dão lucro a Portugal. Pagam mais ao Estado do que ganham em benefícios do Estado.
2. Populismo é dizer que os portugueses emigram para “fugir do socialismo”.
Se fosse verdade, o que dizer dos milhares de cidadãos que decidem mudar-se para cá e deixam os seus países governados por partidos de direita?
Exemplos de doidos varridos que escolheram um “país socialista” vindos de paraísos governados por políticos conservadores:
— 946 húngaros (eram 428 em 2010);
— 3061 polacos (eram 1195 em 2010);
— 10.392 holandeses (eram 4725);
— 1372 austríacos (eram 494);
— 16.041 alemães (eram 8967);
— 28.159 italianos (eram 5067);
— 46.239 britânicos (eram 17.202).
Ah, são reformados que vêm gozar o nosso sol, tranquilidade e preços baixos.
Mas todos?
Claro que não. Há 50 mil estrangeiros reformados em Portugal e os três grandes grupos são os britânicos (11.610), os brasileiros (5600) e os franceses (2969).
Ah, são os que compraram um “visto dourado” — já agora uma política que é zero socialista. Alguns, sim, mas a minoria. Os “vistos gold” foram sobretudo atribuídos a pessoas que vieram de países comunistas como a China (5281), países capitalistas como os EUA (579) e países que tiveram governos consecutivos dos extremos opostos como o Brasil (1187).
Além disso, há duas décadas que os portugueses saem para trabalhar no estrangeiro em fluxos mais ou menos estáveis, sobretudo para os países mais ricos do que nós e que estão “à mão”, como a Suíça, o Reino Unido, a Espanha e a Alemanha. Em 2021, terão emigrado 60 mil portugueses, menos 20 mil do que em 2019.
Legenda para pôr na caderneta dos cromos: de entre os portugueses que emigram, há com certeza muitos que detestam o Partido Socialista. Mas à excepção dos anos da troika, em que emigraram mais, nos anos em que o PSD esteve no governo os portugueses emigraram mais ou menos em números iguais. Estavam a fugir do PSD?
3. Populismo é dizer que os imigrantes “roubam os nossos postos de trabalho”.
Mais de 50% dos estrangeiros que trabalham em Portugal fazem trabalhos pouco qualificados (por oposição a 38% dos portugueses), trabalhos que muitos portugueses, mesmo estando desempregados, não querem ou não conseguem fazer.
Não sou eu que o digo, é o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Dos 295 mil desempregados que temos hoje, 27% são “trabalhadores não qualificados”, 20% são “trabalhadores dos serviços pessoais, de protecção e vendedores” e 12% são “pessoal administrativo”, ou seja, 60% dos desempregados.
Além disso, o desemprego recuou: os 295 mil de Abril são menos do que em Março e menos do que em Abril do ano passado. Não são mais desempregados, são menos. Mesmo com os imigrantes a aumentar de ano para ano.
4. Populismo é dizer que mais imigração faz aumentar o crime.
Basta ver as estatísticas do crime e o número de estrangeiros presos em Portugal para ver que isso é falso.
— Em 2021, tínhamos o número recorde de estrangeiros a viver em Portugal, os tais 660 mil.
— Em 2013, havia 2600 reclusos estrangeiros em Portugal e em 2021 havia 1600. Não é mais, é menos.
— Em 2013, houve 20.147 “crimes violentos e graves” e em 2022 houve 13.281. Não é mais, é menos.
Vi notícias que diziam que o crime violento e grave aumentou 14% em 2022. Mas isso é daquelas coisas que são verdade e mentira ao mesmo tempo. É verdade, porque quando se compara com 2021. Mas em 2021 tinha diminuído 14%, porque estávamos ainda muito fechados em casa por causa da pandemia. Se compararmos com 2019, o ano pré-pandemia, vemos que a criminalidade geral aumentou — 2,5% — e que a criminalidade violenta diminui 8%. Não é mais, é menos.
5. Populismo é dizer que é preciso debater “o problema da segurança” no Parlamento, quando Portugal é um dos países mais seguros do mundo — é o sexto no ranking mundial, a seguir à Islândia, Nova Zelândia, Irlanda, Dinamarca e Áustria. O Brasil está na posição 130.ª.
As legendas omissas são todas tão óbvias que nem vale a pena fazê-las.»
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