«Só os liberais mais radicais olham para a liberdade como um valor supremo. Para a maioria dos restantes, a liberdade tem um valor intrínseco, é certo, mas também é vista como um meio para alcançar outros fins. A questão é: por que motivo queremos ser livres? Estarão as pessoas mais interessadas noutros objectivos — como serem ricas ou felizes, ou viverem em segurança?
Os liberais mais optimistas sempre acreditaram que a ausência de obstáculos e constrangimentos às possibilidades de acção individual seria a melhor forma de promover a criação da riqueza e a satisfação geral. É com base nisso que procuram legitimar a sua doutrina. Os liberais clássicos, no entanto, sabiam bem que era preciso impor algumas restrições à liberdade para que as sociedades prosperassem. Adam Smith, por exemplo, defendia a necessidade da autoridade do Estado sobre os indivíduos para garantir instituições justas, a protecção dos direitos de propriedade, a promoção da concorrência e a provisão de bens públicos. Para além destas restrições a certas acções individuais e colectivas, John Stuart Mill defendia a promoção da educação como fundamental para a existência de indivíduos esclarecidos e responsáveis, capazes de tomar decisões informadas que os beneficiassem a si mesmos e à sociedade como um todo (aproximando-se assim das visões socialistas, em que a liberdade é indissociável da capacidade efectiva para escolher). Ainda assim, persiste em todos eles a convicção de que mais liberdade trará mais riqueza e mais felicidade.
Algumas análises estatísticas parecem validar a convicção dos liberais clássicos acerca da relação entre liberdade, riqueza e satisfação pessoal. Por exemplo, tende a existir uma correlação positiva entre os indicadores de liberdade dos países e os níveis de rendimento médio. O mesmo se aplica à relação entre indicadores de liberdade e de felicidade. Mas há três problemas nestes resultados.
O primeiro é que correlação não é causalidade. Na verdade, há razões para crer que as sociedades são mais livres porque são mais desenvolvidas — e não o inverso. É fácil de perceber isto ao nível individual: as pessoas tendem a valorizar mais a liberdade quando já foram satisfeitas as suas necessidades básicas de sobrevivência, incluindo a segurança física e a alimentação. Ao nível social, a explicação é algo distinta, mas não muito: o desenvolvimento socioeconómico caracteriza-se por níveis mais elevados de educação e informação (ou seja, de capacitação dos indivíduos), aumentando o nível de consciência sobre as alternativas; isto promove valores emancipatórios, enfraquece as relações de autoridade verticais e reforça a preferência por mudanças institucionais que promovem a liberdade de escolha.
No que respeita à relação entre liberdade e felicidade, os resultados dos estudos disponíveis variam entre países ricos e pobres. Entre os primeiros, mais liberdade económica não está associada a mais satisfação individual, mas mais liberdade política, sim. No caso dos países mais pobres, acontece o inverso — a liberdade política não surge correlacionada com a percepção subjectiva de felicidade, enquanto a liberdade económica, sim. Isto sugere que sociedades mais pobres se importam menos com as liberdades civis, embora valorizem as liberdades económicas.
Isto leva-nos ao segundo problema do optimismo dos liberais. Quando olhamos para a história do desenvolvimento económico nos últimos 50-60 anos, constatamos que quase todos os casos de grande sucesso dizem respeito a países onde existiam escassas liberdades políticas (como é o caso de Singapura) e, em muitos deles, fortes limitações à liberdade económica (como nos casos da Coreia do Sul, de Taiwan ou da China). Ou seja, mesmo que a correlação entre liberdade e desenvolvimento seja em média positiva, quase todos os casos de países que passaram nas últimas décadas de um estádio de subdesenvolvimento a um estatuto de economia industrializada (ou até avançada) afastam-se daquele padrão. Isso cria um dilema a qualquer defensor da liberdade enquanto minimização da intervenção pública: o que valorizam mais, a liberdade política e económica ou a acumulação de riqueza?
Um terceiro e último problema diz respeito à distribuição dos potenciais benefícios da liberdade (em particular, da liberdade económica). Mesmo que se confirmasse que maior liberdade conduz sempre a maior riqueza e a maior felicidade para a média população (o que não é o caso, como vimos), tal não significa que tais benefícios sejam distribuídos de forma equitativa. Os resultados disponíveis da investigação sobre a relação entre liberdade e desigualdade não são conclusivos. No entanto, são vários os estudos recentes que identificam um impacto negativo da liberdade fiscal, do comércio livre e da ausência de regulamentação governamental sobre a distribuição de rendimentos. Em contraponto, algumas medidas de liberdade económica e política — em particular, a estabilidade de preços e a qualidade do sistema jurídico — surgem em alguns estudos associadas a uma menor desigualdade na percepção da felicidade. Os resultados são menos robustos para outros indicadores de liberdade.
No final, conclui-se que liberdade, riqueza, igualdade e felicidade não podem ser tratadas como se fossem um só e o mesmo objectivo. Para alguns, a prioridade é o aumento da liberdade enquanto alargamento do leque de escolhas. Outros valorizam mais o desenvolvimento das capacidades de todos para decidir e agir, como forma de promover a emancipação individual e colectiva e de reduzir as desigualdades. Outros ainda estão dispostos a sacrificar a liberdade — a sua e a dos outros — se acreditarem que isso aumenta a sua riqueza. É tudo uma questão de valores.
É no espaço da disputa política — e não do debate filosófico ou científico — que estas questões se resolvem. Faz pouco sentido tentar convencer os que se dizem liberais (uma designação quase sempre errónea) de que os seus valores são piores do que os nossos. Não há régua para medir a dimensão dos valores de cada um. O que importa é mobilizar para a defesa do Estado Social de Direito Democrático que temos — e que devemos preservar e melhorar — todos aqueles que acreditam ser esta a via que melhor protege os valores da liberdade, da igualdade, da democracia e do bem comum. Os que pensam de forma diferente farão o mesmo. Enquanto a democracia funcionar, vencerá quem representar a maioria da população, quem for mais eficaz a defender o seu programa e quem conseguir mobilizar mais pessoas para o voto.»
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