3.6.23

Nunca, jamais, em tempo algum

 


«O português tem as palavras suficientes, claras, claríssimas: nunca, jamais, em tempo algum. Como todas as questões importantes, elas são muito simples. Pode haver complicações a jusante, mas há um momento, que é o da decisão, em que tudo é muito simples. Porque é que o PSD em 2023 não diz esta simples frase: “Nunca, jamais, em tempo algum, o PSD fará qualquer acordo seja de que natureza for, nem parlamentar, nem governativo, nem por cima da mesa, nem por baixo da mesa, com o Chega para governar caso as eleições legislativas o tornem o maior partido, logo com a responsabilidade de formar Governo, mesmo sem ter a maioria de deputados.”

É muito simples: nunca, jamais, em tempo algum. Se o Chega permitir um Governo do PSD, porque entende que o deve fazer, sem qualquer acordo explícito ou implícito, o problema não é do PSD. O mesmo em relação ao conjunto da governação. Se querem abster-se e votar para permitir a passagem de legislação, como já fazem hoje com o PS, é um problema do Chega, não do PSD. Tudo isto devia ser muito claro, mas não é.

A razão é também muito simples, a actual direcção do PSD não quer impedir a possibilidade de um entendimento com o Chega para garantir um Governo PSD, com uma frase taxativa, e é por isso que anda com rodeios de confusão e ambiguidade. É também pelos rodeios que percebemos que essa hipótese está mais que presente na cabeça dos actuais dirigentes do PSD, que sabem que não haverá maioria absoluta e que é pouco provável que os eleitos da IL cheguem para ter uma maioria de governo. Mais sabem que, no modo como as coisas estão, os eleitos do Chega vão ser suficientes, e é por isso que se anda a enganar o povo com vacuidades ambíguas.

Tudo será feito em nome do “anti-socialismo”, princípio que, para um PSD muito radicalizado à direita, se considera permitir e valer tudo. Na verdade, permite apenas chegar ao poder, e às benesses do poder que uma parte do aparelho do PSD deseja com uma fome tão grande como o actual Tutti-Frutti e os muitos tutti-frutti revelam, em que partidos como o PSD e o PS são especialistas. Dominados pelos seus aparelhos, com os militantes como massa de manobra, pouco lhes importa a perda de qualquer honra passada, ou coerência política e ideológica, pelo apoio venenoso do Chega. E o Chega sabe que pode esperar sentado que o PSD ir-lhe-á pedir qualquer esmola. E ele far-se-á caro, porque também sabe que nessa altura tem o PSD na mão. Qualquer manual de Ciência Política explica para os totós que numa aliança deste tipo, mesmo minimalista que seja, é o partido mais pequeno mas indispensável que manda, que tem o outro capturado.

Espero que tenham vergonha e não venham com o nome de Sá Carneiro, que era de uma grande consistência política, e que, nunca, jamais, em tempo algum, consideraria que o PSD era um partido de direita, a cabeça de uma frente de direita, ainda mais de extrema-direita, o braço armado da direita radical. Sempre o colocou ao centro, entre o centro-esquerda e o centro-direita, esse lugar maldito que hoje mais que tudo a direita radical esconjura, porque acha que estar aí é “ser do PS”.

Entre os esquecimentos úteis está o facto de Sá Carneiro, na constituição da AD, ter incorporado quer os Reformadores, quer o próprio PPM, que era muito diferente do de hoje. E, como o conhecimento da abundante documentação do seu espólio revela (no Arquivo Ephemera e de há muito colocada à disposição de todos os envolvidos na publicação das suas obras, que continuam a ser publicadas sem qualquer trabalho crítico, porque fazer de outro modo incomodaria muita gente…), as piores relações eram com o CDS, só salvas pelo papel de Adelino Amaro da Costa.

Qualquer ambiguidade com o Chega, como as que teve Rui Rio e tem agora Montenegro, muda o carácter do PSD, que é isso que Sá Carneiro perceberia com uma linear clareza. Não se trata de “moderar” o Chega, nem sequer arranjar uma desculpa qualquer para eliminar o carácter racista e xenófobo do partido, a sua homofobia, o ódio às mulheres, o revivalismo da relação colonial em nome dos “combatentes”, a justificação do Estado Novo, e a desculpa da ditadura, como a sua enorme corrupção interna, ou os namoros com tudo que há de pior na extrema-direita portuguesa e europeia, do Vox a Le Pen, aos neofascistas italianos, trata-se de perceber que o seu lugar, com falinhas mais mansas, ou silêncios de oportunidade, é infecto. A falta das palavrinhas – nunca, jamais, em tempo algum – deixa o PSD bem dentro desse lugar infecto, de onde não se sai incólume, nem limpo.»

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