«Foi divulgado esta terça-feira o novo relatório da Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE), uma organização não-governamental norte-americana, sobre Portugal. O Chega foi identificado como um dos 13 grupos de ódio e de extrema-direita portugueses, a par de movimentos e organizações neonazis como os Proud Boys ou os Hammerskins.
Segundo o relatório, o partido “tem trabalhado para envenenar o discurso nacional com retórica racista, anti-LGBTQ+, anti-imigração e anticigana". Estou convicta de que os portugueses - os que não estão envenenados – não precisariam de que uma organização estrangeira viesse clarificar que é de cariz racista a retórica do Chega. Tão-pouco que é anti-imigração e, ainda menos, que é anticigana. Sabemos o que ali está.
Mas tem muito significado que a GPAHE tenha elaborado este relatório e deve ser pretexto para fazermos aqui um ponto de situação relativamente ao Chega.
Fala-se muito da Constituição e de fazer cumprir a Constituição, mas, para aferir da legalidade do partido, basta-nos ir à lei ordinária. Neste caso, é a Lei dos Partidos, que prevê a extinção de qualquer partido político que seja racista, ou seja, que propague um ideário racista.
Quando se fala deste assunto, costuma perguntar-se se determinada pessoa é a favor, ou contra, a ilegalização do Chega. A seguir tem início uma longa, e até interessante, discussão acerca da assinalável representatividade do partido e dos valores democráticos que, à partida, nos obrigam a tolerar valores diferentes e até opostos aos nossos.
Lamento, mas a pergunta está mal formulada e inquina o restante raciocínio. Não está em causa a opinião de quem quer que seja relativamente à ilegalização do Chega ou sequer uma avaliação das consequências sociais dessa ilegalização, mesmo que estejamos a falar de um motim violento. A única coisa que pode – e que deve – ser avaliada é se o Chega propaga ou não uma mensagem racista. Se concluirmos como concluiu este relatório, então deveremos exigir à Procuradoria-Geral da República e ao Tribunal Constitucional que assumam as suas responsabilidades, que não são mais do que cumprir e aplicar a lei. E a lei é claríssima: um partido racista tem de ser extinto.
Não foi só este relatório. Conto em centenas, ou milhares, as vezes em que ouvi chamar racista ao partido de André Ventura. A título de exemplo, porque é irresistível, Luís Montenegro, numa das muitas vezes em que quis aparentar estar a traçar uma linha vermelha ao Chega, afirmou que nunca alinharia “com políticas e políticos xenófobos, racistas (...)”. Todos soubemos a quem se referiu quando estas palavras foram proferidas. Muitos chegaram a entender essa declaração como sendo a clarificação definitiva da posição do PSD em relação ao partido de extrema-direita. Infelizmente não era.
É absolutamente irrelevante alguém – mesmo que seja o primeiro-ministro, como aconteceu - ser contra a ilegalização do Chega. Interessa apenas saber se estamos perante um partido racista. Em caso afirmativo, tem de se aplicar a lei. Ninguém nos deve perguntar se somos contra ou a favor da aplicação da lei. O Estado democrático existe com base no cumprimento da lei.
O ponto de situação é que vivemos uma situação inaceitável: todos sabemos que o Chega é racista e existe uma lei que determina a extinção dos partidos racistas. Mas o Chega continua alegremente a figurar no boletim de voto como se a lei não existisse.
Se o legislador português exagerou ao nivelar o racismo com o fascismo, acima de quaisquer outras ilegalidades como o próprio financiamento ilícito dos partidos? Nada. As consequências de termos um dirigente político a incentivar o racismo, enquanto nega que ele existe, estão à vista: o racismo é cada vez mais vocal. Os racistas sentem-se impunes e legitimados. O ódio cresceu e já nos habituámos. Mas existe uma consequência ainda mais grave: as minorias sentem-se, e estão, mais desprotegidas. Estamos a deixar desenvolver uma sociedade onde a polarização, entre os que defendem este ideário e os que o querem erradicar, é férrea. Passarão décadas e esta ferida não estará sarada. Não vale a pena passar o pano sobre isto.
“A segurança comum e das democracias está em risco”, avisa o relatório. Nada que perturbe os dois maiores partidos portugueses. Ambos protegem o Chega. Ao PS convém e o PSD corre tristemente atrás do prejuízo. Isto é tão imperdoável.»
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