«Dois deputados europeus do PS, Margarida Marques e Pedro Marques, fizeram uma excursão a Frankfurt para sensibilizar o Banco Central Europeu para travar a subida de juros. Não conseguiram nada nem era esperado que tivessem qualquer sucesso: a independência do Banco Central Europeu que nos governa está nos tratados. O BCE decide exclusivamente o que quer e não responde perante ninguém. Foi assim que os países europeus acharam que devia ser – a Alemanha só aceitaria o euro se estivesse desenhado à imagem e semelhança do marco alemão e o BCE fosse o Bundesbank.
Na imprensa internacional, lê-se que os chamados “falcões” que ali aprenderam tudo têm hoje mais influência em Frankfurt do que tinham quando Mario Draghi conseguiu a salvação do euro – quando pronunciou a famosa frase de que faria tudo para que a zona euro não implodisse, “whatever it takes”.
Christine Lagarde, a presidente, e o conselho de governadores – incluindo o “nosso” Mário Centeno – insistem que a inflação só baixa se os salários das pessoas baixarem (não os deles, evidentemente) e conseguirem comprar cada vez menos coisas.
António Costa não concorda com esta política do BCE e diz que o diagnóstico do banco sobre as medidas para conter a inflação está errado. O Presidente da República também critica Christine Lagarde. Os partidos da oposição da esquerda à direita protestam, mas as coisas são como são. O BCE manda, a economia alemã está em recessão, mas a vida continua.
Enquanto o BCE põe em prática uma política com o objectivo de diminuir os salários – e já tinha alertado para que os subsídios do Governo à população deveriam parar, o que não foi aceite em Portugal –, uma janela de oportunidade abriu-se aos bancos portugueses com esta política, que pagam mal os depósitos e afogam os contribuintes em taxas e taxinhas.
Os grandes bancos portugueses (Caixa Geral de Depósitos, Millenium BCP, Santander Portugal, Novo Banco e BPI) tiveram um lucro com os juros de quase 1800 milhões de euros no primeiro semestre. Como escreve Pedro Ferreira Esteves, “embora os resultados líquidos tenham sido influenciados por diversos factores em cada banco (venda de activos, redução adicional de imparidades, actividade internacional), a explicar a amplitude destes lucros está, de forma inequívoca e admitida por todos os responsáveis dos bancos, esta conjugação especial de escaladas das taxas de juros de referência e de uma almofada alargada de facilidades disponibilizada pela autoridade monetária”.
Em português popular, isto traduz-se por “quem se lixa é o mexilhão”. A margem dos governos nacionais para contrariarem esta política (e todas as outras da União Europeia) é limitada, para não dizer nula. É verdade que António Costa não acabou com os apoios sociais como desejava Lagarde e Fernando Medina anunciou algumas medidas “protectoras” recentemente, e também o badalado “fim das cativações”, que pode não ser exactamente um milagre de Fátima.
Já se escreveram milhões de caracteres sobre como muitas políticas europeias estão a ter como resultado o crescimento da extrema-direita. A recente queda do Vox em Espanha, que viu diminuir para metade a sua bancada de deputados, não deveria ser um factor de um enorme entusiasmo à escala europeia. O ovo da serpente está bastante espalhado pelo continente para o resultado da extrema-direita espanhola servir para grandes animações e transposições.
Christine Lagarde deixou no ar que esta subida de juros recorde do BCE poderia ser a última. A frase foi “talvez”. Ora, o “talvez” implica o sim e o não ao mesmo tempo. A paragem na subida dos juros não está excluída, mas também não está incluída.
Já estivemos à beira da implosão da zona euro e, na época, o BCE percebeu o risco que corria. Que não entenda agora que uma população empobrecida e com baixos salários (em sociedades profundamente desiguais como a portuguesa) vai engrossar o descontentamento que um dia irá rebentar com tudo, é uma tragédia.»
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1 comments:
- Não seria de perguntar a esse tal de Ricardo Reis qual foi o aumento de produtividade em que os lucros dos bancos se apoiam???
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