«As eleições espanholas suscitam duas grandes interrogações. A primeira é saber se o Partido Popular confirmará o seu favoritismo e terá condições para governar. O PSOE, ao longo da última semana, alterou a sua táctica e passou a apostar na “não vitória” do PP, ou seja, num cenário de bloqueio que, em caso limite, poderia levar à repetição das eleições.
Segunda questão: no caso de o PP vencer, resta saber se será forçado a formar um governo de coligação com o Vox. A pergunta óbvia é se, nesse caso, Alberto Núñez Feijóo governará com o seu programa ou ficará dependente de Santiago Abascal. O confronto entre as duas direitas é muito mais complexo e, nestas eleições, terá mais consequências do que a batalha entre esquerda e direita.
Até à passada segunda-feira, as sondagens apenas admitiam como possível uma vitória do PP. Houve momentos importantes desde então, passando pelo debate a três (sem Feijóo), mas só teremos certezas neste domingo à noite. Para o PP, há uma grande diferença entre obter 140 deputados, o que não o emanciparia do Vox, ou 160, número que lhe daria “mãos livres”. Mas, repita-se, números só os teremos neste domingo à noite e só então vale a pena discuti-los.
“O que se vota no domingo é bloqueio ou governo. Portagens de minorias ou uma maioria”, diz Feijóo. Ele conhece bem o imenso desgaste que o Governo de Pedro Sánchez sofreu com as querelas entre o PSOE e os seus aliados.
Para a esquerda, trata-se de travar uma reemergência do neofranquismo, encarnado pelo Vox. A extrema-direita de Abascal continua a ser anti-imigração, antifeminista, antieuropeísta e negacionista da mudança climática, com uma marca cultural neofranquista. Note-se que no debate a três na RTVE, Abascal não foi agressivo, evitou meter medo, defendeu todos os seus temas com aparente moderação. Para que serve um “Abascal que não mete medo?”, perguntou-se um colunista. Nada indica que o tom se mantenha depois da votação, ele que gosta da política do pior. E nada indica que deixe de denunciar “a direita cobarde” do PP.
A esquerda apostou em centrar a sua campanha na identificação do PP com o Vox, apesar do esforço de Feijóo para se demarcar de Abascal. Feijóo encarna uma posição moderada e rejeita o populismo da extrema-direita. Estará consciente de que as dinâmicas culturais e sociológicas da Espanha não favorecem um modelo social ultraconservador.
O objectivo político de Abascal é ser determinante na formação do próximo governo espanhol. Sonhava com a vice-presidência do governo, mas as suas expectativas foram baixando com as sondagens. O pior cenário que teme é o trinfo da estratégia do PP, que apela ao voto útil para não depender do Vox.
Diz Feijóo: “O Vox e Sánchez são os mais interessados em que o PP não obtenha uma maioria.” Deste ponto de vista, Abascal está numa bifurcação. O que menos lhe interessa é um PP forte que não precise dele.
Escreve com ironia, no La Vanguardia, a jornalista Susana Quadrado: “Vamos à pergunta do milhão. Quer o Vox que ganhe Sánchez? Modestamente, quem isto escreve pensa que sim. A prioridade do Vox não é afastar Sánchez, mas mantê-lo na Moncloa [presidência do governo], atazanado pelas suas dependências parlamentares. O contrário deixa o Vox sem discurso e sem razão de ser. Abascal não quer um Feijóo forte que converta o Vox num apêndice desnecessário, antes deseja um Sánchez débil e com tutelas. (…) Perante um fracasso do PP, Abascal poderia erigir-se em salvador da pátria.”
Alarmes na Europa
Em várias capitais europeias, as eleições espanholas são um motivo de alarme. “Bruxelas está compreensivelmente nervosa com a ascensão da extrema-direita”, escreveu há dias no Guardian o colunista Simon Tisdall. “Um triunfo do Vox teria um fortíssimo eco através da Europa.” Para o autor, o Vox torna-se o kingmaker da Espanha. “Pela primeira vez, desde a era de Franco, a extrema-direita poderá ocupar lugares de governação.”
Políticos e figuras europeias têm apelado à exclusão do Vox. Ainda ontem, Gordon Brown, antigo primeiro-ministro britânico, publicou um dramático texto no Le Monde: “A capitulação perante a extrema-direita espanhola teria repercussões em todo o continente.” Deplora a aliança dos conservadores espanhóis com o Vox.
O que está em causa é a possibilidade de mais um partido de extrema-direita entrar para um governo europeu. Não é uma questão exclusivamente espanhola.
Na semana passada, Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana e líder do partido Irmãos de Itália (pós-fascista), interveio na campanha eleitoral espanhola através de uma mensagem vídeo, frisando que é “crucial” que o partido de Abascal desempenhe “papel importante” na formação do futuro governo espanhol. “Faltam dez dias para que os patriotas [cheguem ao executivo].” Aproveitou para denunciar: “Durante anos, contaram-nos o conto de fadas do modelo de fronteiras abertas [, o que resultou] na imigração maciça, como toda a gente pode agora ver.” Também não poupou os objectivos ecológicos europeus.
Meloni quer refazer o mapa político europeu, em cumplicidade com Manfred Weber, presidente do PPE. E quer ter um aliado directo dentro do futuro governo de Madrid: Santiago Abascal. Numa outra mensagem de apoio a Weber, acrescentou: “É muito importante que o Vox entre no governo de Espanha.” Um convite a pressões sobre Feijóo?
Moral da história: se Abascal entrar para o executivo de Madrid, será mais um drama europeu; se o PP dispensar os seus serviços, Bruxelas poderia deitar foguetes.»
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