14.8.23

Carlos Moedas, Manuel Clemente e uma comunidade melhor

 


«A escolha do nome para a nova ponte ciclopedonal que liga Lisboa a Loures não terá passado pela Comissão de Toponímia, como deveria. Desconhece-se também que tenha sido aprovada em reunião de câmara ou que tenha sido ouvida a junta de freguesia da área. Tratou-se de uma escolha deste executivo, ou seja, de uma escolha de Carlos Moedas, que ignorou os vários preceitos legais e boas práticas aplicáveis ao procedimento. Outro exemplo é o de dar o nome de uma personalidade ainda viva. Qual a razão para esta exceção à regra de que se deve aguardar cinco anos após o óbito da pessoa que se pretende homenagear?

Não foi por isto que a decisão de Carlos Moedas desagradou. Há mais e é pior. Manuel Clemente é um nome ligado ao encobrimento dos casos de abuso sexual por parte de padres da Igreja. Esta ligação foi amplamente noticiada na comunicação social e chegou a ser relatado que a atuação do cardeal contrariou as próprias normas internas da Igreja Católica ao não comunicar um caso às autoridades civis e tendo deixado o alegado abusador continuar em funções.

Quem se dedicou à leitura do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa terá uma menor tolerância a qualquer iniciativa que tenha implícito ignorar a sensibilidade das vítimas. São mais de quatrocentas páginas de horror. Não falo de opiniões e considerações, falo de factos e de relatos. O relatório continua disponível para quem o quiser ler.

A JMJ correu bem. Correu bem sobretudo a Carlos Moedas, que compareceu a todos os eventos, chegou a carregar um crucifixo publicamente (apesar de não ser católico) e contratou várias empresas especializadas em comunicação para garantir que tudo seria bem comunicado. Montou uma verdadeira máquina de propaganda. Pode-se duvidar do retorno da JMJ para todos nós, mas o de Carlos Moedas está à vista. O seu entusiasmo com o sucesso da JMJ é evidente e notório. Talvez propício a esquecimentos e distrações. Certo é que tomou uma decisão que ignora completamente o sofrimento de milhares de vítimas e que dá uma nova razão para o reavivar.

Não tenho elementos para avaliar a atuação do cardeal e este artigo não pretende fazê-lo. Mas há aqui evidências. Se o seu nome está ligado ao encobrimento de abusos sexuais e essa ligação nunca foi claramente esclarecida ou afastada, devemos todos exigir que equipamentos construídos com dinheiros públicos não sirvam para o homenagear. Essa é a nossa solidariedade para com as vítimas. É uma pena que o poder político não seja porta-voz desse princípio ético.

E existe aqui um aspeto que deve ser esclarecido. Ao contrário do que resulta do comunicado da CML, a nova ponte resultou de uma ideia e de um projeto anteriores à JMJ e numa altura em que ainda não se falava do evento. Veio do gabinete de José Sá Fernandes, na altura vereador na CML, a decisão de fazer a ponte e o respetivo desenho. Foi também Sá Fernandes que tentou, e conseguiu, obter fundos europeus para a sua construção, e o concurso para a obra foi lançado pela Emel. Mais: a obra teve início antes das eleições autárquicas que elegeram Carlos Moedas. Do outro lado do rio, Bernardino Soares candidatou a fundos um passadiço junto ao rio e assim ficou na calha uma ligação ciclopedonal de Lisboa a Vila Franca, passando pela frente ribeirinha de Loures. Associar tudo à JMJ é uma moda que aborrece.

Foi Manuel Clemente quem, junto de Fernando Medina e de António Costa, primeiro defendeu a ideia de apresentar uma candidatura para se realizar em Lisboa a JMJ. Faz sentido chamar-lhe o principal impulsionador do evento. É justo, esse mérito é seu. Talvez por isso, Manuel Clemente foi pronto a aceitar e a agradecer a homenagem. Tal como aconteceu a Carlos Moedas, não lhe terá passado pela cabeça a situação das vítimas. Sobretudo não passou pela cabeça de nenhum dos dois que isto não iria passar em branco e que as pessoas iriam reagir. Mas enganaram-se bem. Está a circular uma petição pública contra o nome do cardeal e milhares de pessoas já a assinaram. Estamos a ficar melhores, enquanto comunidade.»

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1 comments:

Monteiro disse...

É tudo gente falsa, do moeda falsa ao falsete cardinal, é um Portugal miserável que apenas se reconhece no fascismo como elites que aspiram ao requinte da democracia.