«Portugal nunca teve tantos obstetras como em Junho do ano passado. Eram 745, o que configura, de acordo com a Direcção Executiva do SNS, o "valor mais alto desde sempre”.
O recorde é ensombrado por si próprio, quando se percebe, pela desagregação dos números, que 304 destes especialistas têm mais de 55 anos, razão pela qual podem recusar-se a fazer urgências (há ainda outros 40 que, por terem mais de 50 anos, podem não fazer urgências nocturnas).
Daqui que se conclui que nem todos os 745 obstetras contribuem para encher as escalas das urgências de ginecologia e obstetrícia e manter as maternidades a funcionar a 100% — um dos grandes desafios actuais do SNS. Ou seja, embora haja mais obstetras, 40% estão dispensados de fazer urgências.
O caso replica-se, por exemplo, na educação, onde também há escassez de recursos humanos. O Estatuto da Carreira Docente prevê que a partir dos 50 anos (e 15 de serviço) os professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, do ensino secundário e da educação especial tenham redução da componente lectiva semanal, até ao limite de oito horas. Já os docentes da educação pré-escolar e do 1.º ciclo, em regime de monodocência, podem requerer uma redução de cinco horas a partir dos 60 anos.
Não está em causa o direito que tanto médicos como professores (entre outras carreiras) têm a envelhecer com dignidade ou a suavizar a entrada na reforma. A origem do problema não é essa. A origem do problema é o envelhecimento da população, em geral, e o da activa, em particular, a falta de renovação do país, o Inverno demográfico que se prolonga e os baixos salários incapazes de atrair jovens para as carreiras do Estado — soube-se recentemente que Portugal pretende pagar menos de 800 euros líquidos aos seus novos funcionários judiciais.
É preciso dizer que, no mesmo ano em que se bateu o recorde de obstetras, a idade média dos trabalhadores da administração pública era de 48,1 anos e que esse valor tem vindo sempre a subir, ao contrário da natalidade, que em 2022 recuperou ligeiramente, mas com o contributo de mães e pais estrangeiros, cujos filhos representam já 16,7% do total de nascimentos.
Isto anda tudo ligado. Sem salários dignos, não há condições para procriar. Sem condições para procriar, não há futuros médicos, nem professores, nem contribuintes, e os que há vão ficando mais velhos. Sem bebés também não serão precisos obstetras para preencher escalas impossíveis. A maior reforma de que o país precisa é de sangue novo.»
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