16.9.23

A bússola das previsões

 


«Revisão em alta, revisão em baixa, desaceleração acentuada ou ténue, projeções preliminares, definitivas e necessariamente revistas, umas décimas a mais ou a menos, quadros macroeconómicos em barda, inflação, recessão, deflação, cálculos repetidos em inglês, francês, alemão. Em português.

A nossa vida coletiva é hoje orientada por uma bússola de previsões demasiadas vezes errada. Vamos por onde nos dizem, até onde nos dizem. Sempre que nos enganam, e são tantas as vezes que se enganam por todos nós, atira-se a culpa para os ciclos económicos. Temperamentais como os mercados financeiros. E, além do mais, previsões são previsões. Pode-nos sempre sair a fava, certo?

Duas ou três mãos de gente decidem por um continente. O ascendente dos zandingas económicos na Europa, camuflados em instituições sérias, robustas e altamente politizadas, é um dos fenómenos mais curiosos e perversos da chamada sociedade capitalista democrática. Veja-se o que tem sido o percurso errático do Banco Central Europeu (BCE) na gestão da inflação. A decisão de aumentar (pela décima vez) as taxas de juro é, mais do que um sinal da assertividade do BCE, uma demonstração do falhanço da sua capacidade de antecipação dos acontecimentos. Depois, há que olhar para a medida com os olhos pedagógicos do cínico: esta tentativa encapotada de arrastar as economias para uma recessão é, na verdade, um mal menor no bolso da Europa do Norte. Christine Lagarde nem disfarçou, ao insistir na necessidade de os estados pararem com as ajudas aos mais desfavorecidos, algo que revela, para além de algum autismo institucional, uma completa falta de sensibilidade social.

Por tudo isto, é fundamental repensar a arquitetura de funcionamento do BCE, que verdadeiramente não dispõe de mais nenhum instrumento capaz de fazer travar a inflação que não seja matando o doente com a cura. Os falcões continuam a ditar as regras, numa autofagia controlada que aprofunda, a cada dia, a medida da nossa irrelevância enquanto nação. Seguimos. Obedientes e endividados.»

.

0 comments: