30.9.23

As ruas voltam a ter voz

 


«É difícil não fazer um paralelo entre os protestos previstos para este sábado em 24 cidades, de Lisboa ao Funchal, e os que há 11 anos se começavam a espalhar pelo país contra o Governo de Pedro Passos Coelho. A austeridade que lhes dá origem não é a mesma, o número de pessoas envolvidas certamente ainda não será o mesmo, mas algumas das forças de esquerda que os organizam são. E é esse o paralelo.

Em 2012, essas forças uniram-se para protestar contra o efeito das opções políticas do trio Passos, Portas e Vítor Gaspar. Na altura, só num dia e numa cidade, centenas de milhares de pessoas manifestaram-se contra a austeridade trazida por um memorando e um empréstimo que obrigou o país a viver quatro anos de sufoco. A fórmula repetiu-se noutros concelhos do país nos meses seguintes. O descontentamento era generalizado: pensionistas, jovens, famílias, empregados, desempregados.

Em Lisboa, desceu-se a Avenida. Fez-se muito barulho com tachos e panelas. Encheu-se o Terreiro do Paço. Desprezou-se “a fome, a miséria, o FMI”. E cantou-se Grândola, Vila Morena. Na faixa que encabeçava a manifestação lia-se: “Troika e Passos desapeguem-se daqui.”

Hoje, as queixas e os cartazes que as acompanham são outros e as palavras de ordem também — “Senhorio não é profissão”, “Baixem as rendas” ou “O que falta? Direito a ter casa”. Mas é curioso perceber que os protestos contra as políticas seguidas pelo PS em matéria de habitação foram pensados por algumas das cabeças que lançaram o movimento anti-troika de 2012, contribuindo para o desgaste do executivo PSD-CDS.

Depois de uns anos de paz social forçada pelas posições conjuntas que viabilizaram um acordo de governação histórico, as ruas voltam a ter voz – porque as forças de esquerda já não vêem nenhuma razão para dar a mão ao PS. E vão de novo descer a Avenida, desta vez com exigências diferentes: mais habitação e melhor clima (na realidade, ao protesto deste sábado da plataforma Casa para Viver junta-se o do colectivo Their Time to Pay, em defesa da justiça climática).

A crise da habitação pode vir a ser para António Costa o que a crise da troika foi para Pedro Passos Coelho: muito mais do que uma dor de cabeça pontual. Porque, além de todas as outras implicações sociais e eleitorais que essa crise pode ter, significa que zanga da “geringonça”, que já se tinha dissolvido na sequência das eleições legislativas de 2019, mas que se formalizou no chumbo do Orçamento do Estado para 2022, está para durar.»

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1 comments:

Fenix disse...

É lamentável que a D. Sónia Sapage se limite a pôr em evidência o facto de o PCP e o BE se sentirem ressentidos pelo fim da geringonça e venham para a rua, não porque acreditam e defendem a causa da habitação condigna para todos, mas com a finalidade de vir para a rua angariar votos. Quer com este texto descredibilizar a esquerda?! Pois, eu como votante no BE estive nas manifestações pela habitação no Porto, em 1 de Abril e em 30 de Setembro, e fico muito grata pelo partido em que voto tenha estado na rua ao meu lado, a ouvir-me e a prometer lutar no parlamento pela resolução dos meus problemas! O PSD certamente terá outras lutas e preocupações com o seu eleitorado e por isso não os vi nem os ouvi!