13.9.23

Capital sem pátria

 


«Marx tinha razão: o capital não tem pátria. Mas a nacionalidade da propriedade conta e conta muito.

O modo como regimes não democráticos, como aqueles que se abrigam em torno dos países árabes, se infiltraram no mundo dos negócios de desporto, que não apenas o futebol, revelam uma tendência em que o poder obscuro do capital tudo envolve e tudo compra.

Um trabalho apurado descobre que por detrás das modalidades desportivas economicamente mais poderosas e dos negócios que lhes estão associados está o poder do capital árabe, seja resultado de uma economia saudável e escrutinada, seja o resultado dos lados mais obscuro do mundo do capitalismo.

A instância olímpica, porventura a última reserva moral de um desporto respeitado, não ficou imune a este vírus e os escândalos em que se envolveram algumas figuras proeminentes aí o estão a provar. Nada assegura que o problema não tenha recaídas e que os casos se não sucedam.

Direitos humanos, respeito pelas minorais étnicas, sociais ou sexuais, respeito pelos direitos laborais tudo é esquecido em função do sacrossanto poder do capital. E como o capital não tem fronteiras descobrimos uma série de organizações desportivas nacionais com a presença de capitais oriundos desses países num movimento de captação de poder que faz as delícias de quem deles beneficia, mas que hipotecam a independência das organizações nacionais.

O movimento migratório, para a alguns desses países, de grandes atletas em final de carreira e de outros técnicos desportivos, não coloca, na generalidade dos casos, qualquer problema de consciência moral, como não coloca a crescente designação de dirigentes desses países para estruturas de topo do movimento desportivo internacional.

A estratégia de controlo obedece a um cuidado movimento junto das principais alavancas do desporto na sua dimensão de negócio e o futebol não é distinto do que se procurou no golfe ou no automobilismo.

Esta tendência, de investimento de regimes não democráticos de várias latitudes do globo em organizações e projectos desportivos, não é de hoje e moldará o desporto nos próximos anos. Resta aspirar que nesta submissão ao mundo dos negócios o desporto possa dar algum contributo para a democratização destes países no sentido de respeitarem os direitos humanos no seu entendimento mais extensivo, e não para agravar a suspeição em torno da transparência e integridade das suas competições e de quem as governa.

Infelizmente, da parca informação explorada e disponível na comunicação social nacional, o caminho tem sido tormentoso e o balanço preocupante.

Este jornal tem sido neste contexto, uma honrosa excepção, na investigação dos circuitos que o capital de vários países árabes tem feito pela Europa e por Portugal num esforço de esclarecimento que só pode ser saudado. Até porque, esse trabalho, contrasta com o silêncio da generalidade de outros meios de comunicação social perante uma ocorrência que está a configurar o desporto das próximas décadas.

Regressemos a Marx, esse defunto, cujas ideias ainda não deixam de inquietar as mentes mais brilhantes, seja para o defender, seja para o contestar. Em tempos de globalização e de neoliberalismo há capital com rosto e, como é da sua própria natureza, existe para se reproduzir. Cabe às dinâmicas democráticas e respeitadoras dos direitos humanos defender os termos dessa reprodução e demonstrar que o neoliberalismo e o poder do capital, como o “espírito” do tempo, não podem ser deixados sozinhos na evolução da humanidade.»

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1 comments:

António Alves Barros Lopes disse...


DESTACO
"Cabe às dinâmicas democráticas e respeitadoras dos direitos humanos defender os termos dessa reprodução e demonstrar que o neoliberalismo e o poder do capital, como o “espírito” do tempo, não podem ser deixados sozinhos na evolução da humanidade.»

O (neo)liberalismo não é o fim da história como o Fukuyama pretendia.

"O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal." Papa Francisco em «FRATELLI TUTTI»

As ditas leis do mercado são apenas as leis do mercado sejam lá o que for.

O que rege a vida em sociedade são as leis sociais que estão por cima das leis do mercado