«O Pacto Social da CIP, sedutoramente embrulhado com um falso aumento de 14,75% de salário e um suposto 15º mês, serve para instalar na opinião pública a ideia de que se paga mal por causa da carga fiscal e da Segurança Social e que a solução é cortar drasticamente no já baixo IRC e na TSU. Quando se sabe que as margens de lucro dilataram e são fator de inflação, os trabalhadores só seriam compensados pela redução do poder de compra se tudo fosse livre de impostos e de descontos para as suas reformas. Perante o desplante da desbragada demagogia, é bom que um adulto na sala recorde que são os impostos que pagam os médicos e professores que precisamos de contratar e que sem o contributo da TSU não há pensões presentes e futuras. Sendo perigosa, a proposta revela um sinistro calculismo: a CIP aproveita a aflição dos trabalhadores com a inflação e prestações da casa para lhes acenar com uma folga passageira nos rendimentos líquidos a troco de imporem, para agora e para o futuro, uma vitória absoluta de todos os seus interesses unilaterais.
O que a CIP propõe é uma redução brutal dos seus impostos, não um enorme aumento de salários: uma redução do IRC para 17% (acabando com a distinção entre pequenas e grandes empresas, para beneficiar as segundas); um “crédito fiscal” do valor cumulativo dos aumentos salariais (majorados em 40%) dos resultados que fossem incorporados no capital e dos investimentos aplicados na empresa; e uma isenção de TSU e de IRS em 50% do trabalho suplementar, estimulando o seu uso excessivo, em vez de reduzir horários de trabalho superiores à média europeia.
Quanto ao “15º mês”, que seria voluntário e isento de IRS e TSU, há que reconhecer o engenho do truque. Em vez de aumentos salariais decentes distribuídos pelos 14 meses, abre-se uma via para alargar a parte dos salários não sujeita a obrigações fiscais e previdenciais, comprometendo pensões, prestações sociais e serviços públicos. Legaliza-se o que muitas empresas já fazem, quando pagam em géneros. Não é descoberta da CIP. Macron adotou a atribuição de um plafond elevado de prémios anuais deste tipo com isenção fiscal. Não é difícil imaginar que a tendência seria a de ir transferindo parte dos 14 meses para este “15º”, mais barato para o patrão e, no fim, só uma coisa mudaria para o empregado: ficaria com a pensão mais baixa, pois perde parte dos descontos do patrão, coisa que só descobrirá quando se reformar. Mas a maior fraude é o suposto aumento de 14,75%, durante dois anos, totalmente financiado com a redução equivalente da TSU. Na realidade, o trabalhador só receberia mais 4,75%. Os restantes dez pontos percentuais não são aumento salarial. São uma transferência do que os patrões pagam à Segurança Social para um sistema complementar obrigatório de pensões. E onde hoje existe um regime complementar público (os “certificados de reforma”) e privado (fundos de pensões ou PPR) de adesão livre e voluntária, para a poupança individual, impunha-se um regime obrigatório com contribuição definida, porta aberta à muito esperada entrada do sistema financeiro num regime de pensões não solidário.
Com o “15º mês” isento da TSU e de IRS, valores astronómicos retirados da TSU para um sistema complementar de pensões e um aumento salarial abaixo da inflação, os patrões limitam-se a propor um conjunto de borlas fiscais para si mesmos e uma transferência de recursos da Segurança Social para um sistema de capitalização. Com o desemprego em baixa e a inflação em alta, os salários subiram 7,6% no primeiro semestre deste ano. Sabem que vão ter de aumentar bem acima do que realmente oferecem. O aumento que prometem é menos do que já estão a ter de dar.
Mas a proposta tem um objetivo: aproveitar uma inflação e os aumentos de prestações das casas que põem muitas famílias em dificuldades para, em troca de um aparente benefício imediato nos rendimentos líquidos e a sempre popular proposta de reduzir impostos, avançar com um assalto ao Fisco e à Segurança Social. É sintomático que a CIP não tenha apresentado qualquer estudo ou estimativa séria de quanto custariam as suas propostas ao Estado e à Segurança Social, nem qual seria o seu impacto na formação das pensões futuras, nem quais as medidas de compensação e neutralização do seu impacto. Quem vier atrás que apague a luz.
Não é rebentando com a sustentabilidade da Segurança Social e das contas públicas, com promessas demagógicas de rendimentos livres de descontos para a Segurança Social e de impostos (reduzindo a progressividade do sistema, já que a isenção de IRS beneficiaria muito mais quem ganha mais) que se desenvolve o país. Mas a obsessão com o excedente orçamental levou o Governo a não fazer a revisão dos escalões de IRS que a inflação obrigava e a deixar que os serviços públicos se degradassem, tornando ainda mais incompreensível para o cidadão comum a necessidade de pagar impostos. Deu espaço a este tipo de populismo. Se esta irresponsabilidade e leviandade viesse dos sindicatos, seriam triturados pela imprensa. Assim, é uma “lufada de ar fresco”. Se for por uma boa causa, que venha a prometida bancarrota.»
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