3.10.23

As lições de Lampedusa

 


«Regressei a Lampedusa, no passado fim-de-semana, para participar nas iniciativas que assinalam os dez anos do naufrágio de 3 de outubro de 2013, que resultou na morte de 368 migrantes, homens, mulheres e crianças. Nessa altura, o então presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, afirmou que a Europa não podia “olhar para o lado” e que era necessário que todos os países fizessem “esforços proporcionais à sua dimensão e aos seus meios”. Hoje, dez anos volvidos, a União Europeia continua a não ser capaz de projetar no Mediterrâneo uma operação conjunta de busca e salvamento.

A ironia do destino quis que esta trágica efeméride coincidisse com o aumento de chegadas e de mortes no Mediterrâneo que se regista este ano, fruto da instabilidade política e de segurança, dos efeitos da crise climática e do agravamento geral das condições de vida no Médio Oriente e em África. Há poucas semanas, num pico de chegadas, o número de migrantes e refugiados — 7000 (!) — superou o número de habitantes da ilha de Lampedusa! O Centro de Primeiro Acolhimento, com capacidade instalada para 400 pessoas, transbordou.

Diante da situação extrema, os lampedusanos continuaram a responder com enorme espírito de solidariedade e aliviaram o sofrimento dos que ali chegaram. Mais uma vez deram ao mundo uma lição de humanidade. Mas não compreendem que, depois de todos estes anos e de tantos anúncios de planos e promessas, continue a faltar uma resposta estrutural solidária por parte da UE.

Nestes dias na ilha, percebi que os lampedusanos se mostram avessos ao discurso de “invasão” e ao quase “cenário de guerra” pintado pela primeira-ministra Meloni. A mesma, aliás, que se coliga com a Polónia e a Hungria contra a instituição de um sistema de recolocação assente na solidariedade entre Estados-membros. E que ameaça bloquear a aprovação do Pacto Europeu para a Imigração e Asilo. A mesma Meloni que, com total hipocrisia, pressiona a todo o custo a assinatura de acordos com a Tunísia, país que tem dado acelerados passos atrás em matéria de democracia e direitos humanos e em relação ao qual são sobejamente conhecidas as práticas de tratamento aviltantes a que sujeita os refugiados e migrantes, sobretudo os provenientes da África Subsariana.

A gestão da imigração e do asilo é um dos maiores desafios que a União Europeia enfrenta neste momento na defesa da sua unidade e dos valores em que assenta.

O decurso do tempo já nos devia ter feito entender que não será com operações militares no Mediterrâneo ou com a exteriorização das políticas de imigração e de asilo que vamos combater as redes de tráfico e evitar as mortes. Pelo contrário, só vamos agravar o problema. E ainda nos tornamos presas fáceis da chantagem dos autocratas e ditadores com quem estabelecemos acordos. E, pior do que tudo, aumentamos o sofrimento e o número de mortes entre os migrantes e refugiados.

A Europa atravessa um longo inverno demográfico. Os estudos apontam para uma quebra de cerca de 49 milhões de pessoas em idade ativa até 2050. Negar uma oportunidade de vida em dignidade e segurança àqueles que a buscam, além de imoral e criminoso, é também suicida.

Talvez fosse bom que os representantes dos 27 Estados-membros ouvissem um conjunto de demógrafos, economistas e outros especialistas, para entenderem melhor o caminho a trilhar. A Europa precisa debater esta questão e definir com clareza uma política comum.

O que passa necessariamente por:

1. Uma política externa consistente e coerente que apoie os países menos desenvolvimento e promova a estabilidade e o respeito pelos direitos humanos, para que ninguém se veja forçado a emigrar;

2. A implementação de uma operação europeia de busca e salvamento no Mediterrâneo;

3. O estabelecimento de corredores humanitários para os requerentes de asilo e de vias legais e seguras para a imigração;

4. Uma correta política de integração, capaz de potenciar talentos.

Tenhamos a noção de que só assim seremos capazes de nos salvar todos e que ninguém se salvará sozinho. A Europa-fortaleza, fechada sobre si própria, revelando uma sinistra falta de empatia, não é uma resposta à altura dos nossos valores e, até, dos nossos interesses. Não nos leva mesmo a lado nenhum.»

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