31.10.23

Desinformação – Causa e consequência da divulgação sobre o SNS

 


«A inexactidão ou mesmo falsa informação sobre o SNS tem sido característica das notícias e opiniões sobre o assunto, o seu estado e as lutas dos médicos. Tem contribuído para a confusão sobre o que se passa e eventuais soluções.

Uma figura responsável do PSD comentava num canal de televisão que um dos males era os médicos trabalharem 35 horas por semana, contra o que o partido dele sempre estivera. E nenhum dos presentes, nomeadamente o condutor do programa, o desmentiu. Os médicos do SNS têm trabalhado sempre 40 horas. Idêntico erro tinha cometido o jornal Correio da Manhã, mas corrigiu.

Urgências

Quanto às urgências, o especialista pode optar por incluir as 12 horas nocturnas no horário semanal, ou fazer esse tempo como trabalho extraordinário. Na primeira hipótese, essas horas nocturnas não lhe são pagas extra. Ora, nesse caso, das 40 horas restam 28 para consultas, clínica de enfermaria ou cirurgias e uma reunião por semana. O trabalho de enfermaria e as consultas nos primeiros anos de internato da especialidade são tutoradas. Se optar por fazer as 12 horas nocturnas como horas extraordinárias, recebe como tal. A remuneração é variável e só quando chega às 150 horas corresponde a 70 euros à hora.

No ruído de televisões e jornais também se ouviu que devia haver uma equipa permanente nos serviços de urgência. Pois, essa equipa sempre houve e continua a haver, pelo menos nos cinco hospitais chamados polivalentes. Só que estão até às 20h e, por isso, são complementadas pelos restantes médicos especialistas do hospital para fazer as noites.

Os médicos não querem fazer urgências? Não é verdade. Como as pessoas também adoecem aos fins-de-semana, todos os especialistas e internos da especialidade do SNS são escalados para os fins-de-semana, exceto se estiverem em condições muito especiais. Essas horas são contadas como extraordinárias e serão diurnas ou nocturnas por rotação.

Muitos médicos?

Outra desinformação, verdadeiramente descuidada, é dizer que há tantos médicos em Portugal e não se percebe porque é que não há um médico de família para cada cidadão, há atrasos de consultas e listas de espera de cirurgia. Divide-se o número de habitantes pelo número de médicos e dá índices confortáveis… “É uma questão de gestão.” É uma aritmética simplista e falaciosa.

Em 2022, havia 61.235 médicos em Portugal (fonte: Ordem dos Médicos). Mas 15.571 tinham mais de 65 anos e se somarmos os que tinham mais de 61 anos ficamos com 20.904, ou seja, cerca de um terço dos médicos portugueses. Se somarmos a estes os que têm direito a não fazer urgências por terem mais de 51 anos, chegamos aos 23.611 médicos.

Isto resulta de “má gestão”? Sim, a que provocou o gargalo de garrafa de entradas para as faculdades de Medicina. Quem estiver interessado que vá ver quando e com quem isso aconteceu. De modo que temos uma depressão demográfica médica que vai dos 35 aos 56 anos. Algumas especialidades com números mais assustadores – pediatria, obstetrícia e anestesia. Metade dos obstetras do SNS tem mais de 50 anos.

Soluções

Em 2022 havia 1334 médicos com menos de 31 anos (são internos) e 8396 com 31 a 35 anos. Prevê-se uma estabilização só daqui a cinco a dez anos. Nessa altura, os políticos que estiverem no poder dirão que “resolveram o problema”. Com “boa gestão”, claro…

Os níveis de salários no SNS têm aparecido variados e umas vezes em valor bruto, outras em valor líquido, o que baralha tudo. Há, neste momento, três níveis de salários: os médicos em exclusividade, com os últimos contratos de 2011; os médicos das Unidades de Saúde Familiar (modelo B) com salário em função dos resultados. E os outros… São estes que fogem para os Serviços Privados e têm uma situação insuportável, com baixo salário líquido e a fazer horas nocturnas e fins-de-semana. Estão em burnout pessoal e profissional. A única solução é repor as carreiras, com provas públicas (não são de tempo de carreira), salários decentes e menos urgências.

A Medicina Geral e Familiar deverá ser equipada para resolver boa parte das situações urgentes ou sentidas como urgentes pelo cidadão. Aí está o dinheiro do PRR para o fazer. Esta é a solução e tudo o resto são esquemas orgânicos no papel, que nada resolvem.

A propósito, a “novidade” de os doentes crónicos poderem ir buscar à farmácia a continuação do medicamento já existe há vários meses. E lá está o quadradinho na receita para pormos um sinal na pergunta “doença crónica?”. Novidades, novidades? Só a partir do Ministério das Finanças.»

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