30.10.23

É preciso morrer alguém?

 


«O novembro “dramático”, como antecipou o diretor-executivo do SNS, está à porta e não há soluções para os problemas na saúde. As negociações, que decorrem há mais de um ano entre o Governo e os sindicatos médicos, avançaram na semana passada, com a apresentação de propostas dos dois lados, criando a legítima expectativa por parte da população de que o acordo estaria à vista, mas ainda não está fechado. E é cada vez mais evidente que um eventual acerto entre as partes pode não ser suficiente para resolver os problemas estruturais que se acumulam.

António Costa disse sábado, na Comissão Política do PS, que o “SNS não é slogan” e que a reforma em curso visa proteger o seu futuro. Mas não há SNS, nem futuro, sem as pessoas que lá trabalham todos os dias. E os sinais de desgaste em várias classes profissionais são demasiado evidentes. A rápida expansão do movimento Médicos em Luta, que mobilizou a recusa às horas extra e conta já com cerca de quatro mil profissionais, mais do que um sintoma da insatisfação da classe é uma nova realidade que pode baralhar as dinâmicas negociais. Porque não estando sujeito a qualquer tutela sindical, pode desafiar eventuais acordos que venham a ser conseguidos.

A responsabilidade pelo impasse nas negociações até pode ser partilhada, mas é ao Governo que compete assegurar condições para o SNS funcionar e garantir que os portugueses têm efetivamente direito à saúde. E isso não está a acontecer. Há serviços hospitalares a colapsar, urgências fechadas ou sem todas as especialidades necessárias para acudir à população. Mais de 1,6 milhões de utentes não têm médico de família. As imagens de idosos a passar a noite à porta do centro de saúde na tentativa de arranjar uma consulta é degradante. Pessoas de baixos recursos estão a fazer seguros porque têm pânico de adoecer e não terem assistência, como alertou, em entrevista ao JN, Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde socialista. É o SNS em mínimos históricos. Envergonha-nos a todos.

Perante isto tudo, Costa insiste nas contas certas e amealha o excedente. Ele, que viu cair Marta Temido - a ministra da Saúde que resistiu a uma pandemia, mas se demitiu na sequência da morte de uma grávida por falta de assistência no Santa Maria -, está à espera de quê para resolver esta crise? Será preciso morrer (mais) alguém?»

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