10.10.23

Hamas domina a agenda do Médio Oriente

 


«Israel experimenta um momento de dor e humilhação. O ataque do Hamas é um desastre para o exército e para o Governo e para milhares de cidadãos. “Mas a palavra ‘desastre’ é demasiado fraca”, escreve o historiador israelita Ilan Greilsammer. “É uma viragem na história de Israel.” E no Médio Oriente.

Neste momento teríamos vantagem em trocar a palavra “análise” por “adivinhação” ou, até, “especulação”. Depois do ataque do Hamas, faltam as palavras e, ao olhar o Médio Oriente, estamos como os serviços secretos israelitas em Gaza: às escuras. Claro que, apesar disso, há muitas lições a tirar.

A “questão palestiniana” foi nos últimos anos reduzida à quase insignificância. O primeiro efeito do “7 de Outubro de 2023” foi lembrar que ela persiste, mudando de momento o tabuleiro estratégico do Médio Oriente. Os emirados árabes do Golfo e os Estados Unidos conceberam o plano de impulsionar as relações entre Israel e a Arábia Saudita, que o via com prudência mas com bons olhos. É aqui que o problema começa.

Este processo, ainda virtual, reforçaria os chamados Acordos de Abraão e enfraqueceria o Irão e suas filiais, como a Síria, o Hezbollah e o Hamas. Uma das primeiras motivações estratégicas do Hamas foi rebentar este projecto que ameaçava agravar o seu isolamento. Não se sabe se Teerão lhe deu “luz verde”, mas é provável que sim.

Por outro lado, o Hamas soube ler o caos político e o enfraquecimento militar decorrentes da crise aberta por Benjamin Netanyhau, no seu combate contra a Justiça e na sua aliança de governo com os nacionalistas messiânicos e religiosos. São patentes as agressivas manobras do ministro Bazalel Smotrich na Cisjordânia e em Jerusalém, esboçando um projecto de anexação e “limpeza étnica”. Nos últimos tempos, o Hamas tem apelado à revolta na Cisjordânia. E o ataque a Israel foi denominado “Dilúvio de Jerusalém”.

A primeira reacção de Israel será brutal. É provável que tenha de negociar reféns e cadáveres por alto preço. Para isso, será precisa uma trégua. Numa entrevista à Foreign Affairs, o analista americano Martin Indyk mostra-se pessimista: “Porque temo que o Hamas tenha a intenção levar Israel a uma retaliação maciça e provocar uma escalada do conflito: insurreição em Gaza, ataques do Hezbollah, revolta em Jerusalém.”

Yom Kippur

Deve ser bem entendida a analogia e a diferença com o Yom Kippur de 1973. Nessa altura foi uma invasão por dois Estados, o Egipto e a Síria, que surpreendeu os israelitas. Os egípcios conseguiram atravessar o Canal do Suez com os seus tanques, o que os israelitas consideravam impossível e ocuparam o Sinai. Para Israel, foi uma humilhação, compensada pela vitória militar final. Mas os primeiros dias foram celebrados no mundo árabe como uma grande vitória, mostrando que Israel não era invencível e lavando a derrota de 1967 (Guerra dos Seis Dias). E o Egipto celebra-a todos os anos.

O egípcio Anuar al-Sadate não ordenou a operação para destruir Israel, mas para obter uma vitória e negociar uma paz honrosa com Israel: os Acordos de Camp David assinados com Menachem Begin, o líder da direita israelita. A mensagem do Hamas é a de que o statu quo de paz por ajuda humanitária acabou de vez e que o objectivo é mesmo destruir Israel.

Para Netanyhau, “tudo estava sob controlo”. Recusou perceber a crise que lançou em Israel. Houve muitas vozes, sobretudo militares, que alertaram para os riscos. O enfraquecimento de Israel estimulou a audácia do Hamas. Houve avisos dramáticos. No fim de Julho, o general na reserva Eitan Eliyahu, antigo chefe da força aérea, disse emocionado na televisão: “Estamos a correr para o desastre. São 14 horas do Dia do Yom Kippur.” Ou seja, a hora a que começou o ataque de 1973. Não foi ouvido. A tese do Governo era que o Hamas não pretendia atacar mas receber vantagens para o enclave.

O futuro do Médio Oriente depende não só dos cálculos dos políticos mas de factores que eles podem não controlar. O Egipto está a ser solicitado como mediador para obter uma trégua. Mas o Presidente Sissi tem eleições em breve e teme que movimentações pró-palestinianas se apoderem das ruas.

O Hezbollah raramente intervém nas questões palestinianas, age em função dos seus objectivos libaneses, embora forneça armas e logística ao Hamas. A principal incógnita é a reacção activa ou passiva do Irão. Internamente, o Hamas vai reforçar os esforços de unir e hegemonizar todos os movimentos palestinianos.

Uma bomba na sala

Voltando ao projecto de normalização árabo-israelita. “O Hamas lançou uma bomba na sala”, afirma o analista árabe Hussein Ibish, que concorda com a já citada opinião de Indyk: “O objectivo é levar os israelitas a represálias que tornem impossível aos sauditas prosseguir a normalização.”

Declara ao Monde, com alguma prudência, um outro analista da região: “A mensagem é coordenada: sem concessões substanciais, não haverá acordos de normalização e é o Irão, e não os árabes, que é o detentor do dossier palestiniano.”

Com o ataque a Israel, o Hamas passa a controlar a agenda do Médio Oriente, escreve no diário israelita Haaretz o jornalista Zvi Bar’el. “Os trunfos estão agora nas mãos do Hamas e da Jihad Palestiniana e são mais fortes do que nunca, e assim serão as suas exigências a Israel e outros no Médio Oriente.” Basta pensar nos reféns.

No entanto, ainda a procissão vai no adro. Será que os cálculos estratégicos do Hamas se revelarão correctos ou se se terá lançado numa aventura acima das suas forças, que poderá vir a redundar numa também inesperada derrota? Demoraremos a saber. Para já, teremos mais tragédia.»

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2 comments:

mensagensnanett disse...

Os ocidentais mainstream (e os judeus fazem parte dos ocidentais mainstream) possuem um largo historial de genocídios e substituições populacionais:
-> os ocidentais mainstream permitiram a construção de um Estado de Índios norte-americanos: NÃO!
-> os ocidentais mainstream permitiram a construção de um Estado de Aborígenes australianos: NÃO!
-> etc.
--->>> Os palestinianos têm sido um osso mais duro de roer!...
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NOTA:
Os ocidentais mainstream manipularam o povo mais estúpido do planeta (leia-se: ucranianos): uma oportunidade de pilhagem.
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---> Os estúpidos ucranianos aliaram-se àqueles (leia-se ocidentais mainstream) que querem pilhagem (ocidentais a comprar a Ucrânia em troca de armas) e substituição populacional na Ucrânia («não há mão-de-obra suficiente para a reconstrução»).
---> A Rússia não queria nem pilhagem nem substituição populacional... queria respeito pela herança pela herança dos sovietes:
1-> o braço armado (leia-se NATO) do império das mentiras e das pilhagens (ex: prometeram que a NATO não se iria deslocar uma polegada para leste, a mentira da guerra do Iraque, etc etc) longe das fronteiras da Rússia.
2-> embora integradas na Ucrânia, as regiões do leste da Ucrânia deveriam ser dotadas de autonomia: acordos de paz de Minsk1 e Minsk2.
[nota: as regiões (russófonas) do leste da Ucrânia não foram dadas, pelos sovietes, à Ucrânia: foram dadas pelos sovietes, isso sim, foi à República Socialista Soviética da Ucrânia]

António Alves Barros Lopes disse...

A sorte dos palestinianos ficou traçada no inicio do Século XX, quando franceses e Ingleses puseram a pata no Médio Oriente. Combatendo o império otomano os ingleses decidiram sobre aquilo que não lhes pertencia. Declaração de Balfour de 2 de novembro de 1917.
A situação no terreno passou a ser gerida pelos británicos que foram controlando os palestinianos e permitindo a instalação dos judeus.
Culminou com a resolução 181 da ONU Em 1947. Resolução que contrariava até a carta das Nações Unidas que garantia ás populações o direito à auto determinação e não levava em conta que a Israel "tocava" mais área que aos palestinianos em relação à demografia existente.
O curioso é reparar que se os Turcos não tivessem sido corridos da região (pelos Ingleses com o auxilio dos árabes) hoje Israel não existiria!
Mas os palestinianos estão be3m acompanhados.
- Pelos indios americanos que desapareceram do mapa.
- Pelos Saarauis que vão desaparecer.
- Pelos Arménios que desapareceram no inicio do século XX
- Pelos arménios de Nagorno-Karabakh
- Pelos curdos da Turquia ( os curdos maus)
- Pelos Curdos do Iraque e da Síria (os curdos bons)
- Pelos Tibetanos (que são uns terroristas levados da breca)
Milagrosamente safaram-se os Timorenses. ( Ainda hoje eu estou admirado!)
Outro azar dos palestinianos foi a NATO não ter bombardeado Telavive da mesma forma que bombardearam Belgrado! (Sorte dos Kosovares. Esses não eram terroristas!)