«Nos primórdios do conceito de aldeia global, criou-se o mito ingénuo de um mundo interligado e caracterizado pela aproximação. A tecnologia e as suas mil e uma aplicações abriram a porta à multiplicação de opiniões e de interpretações do mundo. Da crença ingénua de que todos teriam voz, passou-se ao excesso de ruído que anula a capacidade de efetiva criação de um espaço público aberto e comum. Os algoritmos estão a introduzir um fator ainda mais complexo, fragmentando a grande aldeia num mosaico de visões com grande dificuldade em dialogar entre si.
A pretexto da personalização, os algoritmos modelam e selecionam informação de acordo com gostos e crenças pessoais. Na medida em que vão oferecendo ao leitor notícias e conteúdos seletivos e que excluem perspetivas alternativas, acabam por confirmar e reforçar os seus preconceitos. A informação à medida, ainda por cima tantas vezes não confirmada nem sujeita a contraditório, não amplia o mundo. Antes confirma o que julgamos já saber dele.
Quando se está enclausurado na bolha ideológica, convicto da realidade única de cada peça e incapaz de ver a diversidade do mosaico, torna-se difícil ver que existem posicionamentos diferentes. É assim que nasce a radicalização de ideias e a perigosa generalização relativamente a tudo o que está fora da bolha. No mundo polarizado só há um lado detentor da verdade. E a lógica é primária: se eu estou certo, do outro lado da barricada estão seguramente errados.
A reação às relevantes declarações de António Guterres tem um contexto muito próprio, polarizado como poucos e com um posicionamento extremado de Israel. Mas a cultura que lhe está subjacente é mais ampla e tem contornos políticos, ideológicos, religiosos e sociais. Cada um no seu quadrado, cego e surdo às razões do outro, vai deixando crescer a intolerância. Onde falta a interconexão, inevitavelmente crescerá a violência.»
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