@João Fazenda
«Quando se fala do problema da produtividade da economia portuguesa esquecemos sempre aquilo que Portugal é o melhor do mundo a fazer: ronha. É uma pena não ser um bem transaccionável, porque faríamos uma fortuna em exportações. Podemos ter uma maioria de católicos, mas o país em si é um monge budista. Preza acima de tudo o valor da quietude. Recordo com saudade o debate (inevitavelmente alargado) sobre o TGV, que era tão importante. As vantagens seriam extraordinárias, mas infelizmente, após o lançamento da obra, verificou-se que não havia dinheiro. Portugal não tem os milhares de milhões que custam os grandes projectos, mas tem as centenas de milhões que custam investimentos mais baratos, tais como os estudos para preparar os grandes projectos e as indemnizações por quebra de contratos celebrados para realizar grandes projectos que no final não avançam.
Do novo aeroporto, cuja localização evitamos decidir há décadas, continua a não haver grandes notícias. O que é óptimo. No processo de decisão do novo local corremos o risco de fazer a escolha errada. Não escolher acaba por ser a solução mais segura. A minha única sugestão é que possamos aprender de uma vez por todas que o processo é fatalmente este: identificação de um problema, elaboração de estudos para o resolver, indecisão, inacção. No caso do novo aeroporto, o problema teria sido fácil de resolver. Concordamos todos que não é bom termos um aeroporto no meio da cidade. Devíamos ter admitido há muito que não vamos conseguir chegar a acordo sobre uma nova localização. Portanto, para não termos um aeroporto no meio da cidade, o melhor é demolir a cidade em torno do aeroporto. O dinheiro já gasto em estudos e projectos podia ter sido investido nas indemnizações aos moradores cujos prédios teriam de ser terraplenados. Em vez de Portela mais um, a solução óbvia é um menos Portela. Deitar abaixo a Portela cumpria mais rápida e facilmente o objectivo de ter o aeroporto num sítio mais desafogado.
Mas Portugal recorre a outras técnicas para fingir que se avança não saindo do sítio. Por exemplo, Camarate foi acidente ou atentado? Fizeram-se 10 comissões parlamentares de inquérito, que se inclinaram no início para a tese de acidente e acabaram convencidas da existência de um atentado. Entretanto, o caso prescreveu. A 10ª comissão já não se chamava “de inquérito ao acidente” mas sim “de inquérito à tragédia”. Conseguimos concordar que a queda de um avião que causa a morte de todos os ocupantes é uma tragédia. Já é bem bom. Outro exemplo: a TAP deve ser pública ou privada? Havendo dificuldade em decidir, opta-se por uma solução mista. É privada nos anos pares e pública nos anos ímpares. Neste momento é pública, mas em princípio será privada para o ano. Em vez de uma solução, acabamos por ter todas as soluções. E ainda nos queixamos. É esta insatisfação que teremos de resolver. Como é que conseguimos obter uma sociedade em que o facto de nenhum problema se resolver não incomoda ninguém? Evidentemente, nomeamos uma comissão que faça um estudo. Eu tenho tempo livre, posso dedicar-me a isso durante 10 anos. E concluir que não tenho conclusões para apresentar.»
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