24.10.23

Todas as guerras são iguais em cada vez pior

 


«Animalizada ou tratada como inominável, a população palestiniana sofre um duplo cerco: o do manto de bombas que dia a dia vai destruindo Gaza e o silenciamento hipócrita dos que assinaram a autorização para a matança. António Guterres é insultado como sendo amigo dos terroristas por um exaltado embaixador israelita que o acusa do crime de querer levar ajuda humanitária a hospitais; Biden dá luz verde a uma operação de extermínio e só pede que seja feita devagar; Scholz, Macron e Sunak, três governantes aflitos nos seus países (o pobre Zelensky foi impedido de vir a uma cerimónia idêntica, não fosse pedir mais armas), fazem fila para cumprimentar Netanyahu, para quem tudo isto se resume a escapar da prisão por corrupção. E o Hamas festeja a sua vitória política, com cada bomba sobre Gaza reforça a sua liderança na região.

A guerra é só isto. É uma matança, é o genocídio disfarçado com argumentos políticos, é a limpeza étnica assente no princípio da culpa coletiva dos povos. Uma palavra, exterminismo, resume melhor do que outras o que é a norma da guerra e vemos como é aplicada em todo o seu esplendor. Os porta-vozes oficiais apontam no mapa por onde vão atacar e como vão destruir casa a casa, comentadores briefados pela embaixada pululam em televisões pelo mundo inteiro e banalizam-se as distantes vítimas colaterais na cultura, onde havia de ser (Adania Shibli não recebeu o seu prémio na Feira do Livro de Frankfurt, Nathan Thrall não pode apresentar o seu romance sobre uma vida na Cisjordânia, músicos palestinianos são cancelados, o Festival de Cinema Palestiniano de Boston deixou de ser presencial), tudo o que já tinha acontecido com as proibições de Tolstoy ou Dostoievsky e desde então se banalizou. As raças banidas não podem ser ouvidas, há religiões proibidas, a isso voltámos. E, a BBC é insultada se se limita a tratar as forças em guerra como inimigos, o que tinha feito com os nazis, e não aceita reduzir o jornalismo ao discurso político.

É um tempo sombrio em que a defesa da paz fica resumida a Guterres e ao Papa, ambos sem poder, e a iniciativa da guerra é capturada não só pelos seus generais como por uma raivosa trupe de vingadores de sofá. Entendamo-los bem: eles estão a dizer-nos que a humanidade é um pseudónimo da barbárie e querem que nos habituemos à irracionalidade. A beleza da guerra, a estética do bombardeamento, a arte deve passar a ser a evocação do massacre, diziam os fascistas italianos nos anos vinte do século passado. Cem anos depois, deram drones, bombas de precisão e bolhas de ódio aos seus herdeiros e eles rejubilam ao usá-las.»

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