3.11.23

Os doentes não têm estado à altura do SNS

 

@João Fazenda

«Segundo o director-executivo do SNS, este vai ser o pior mês da história do Serviço Nacional de Saúde. O SNS nasceu há 44 anos, foi crescendo, envelheceu, e agora, segundo parece, agoniza. É um sistema moderno mas tem a esperança de vida de um europeu do século XII. Após quatro décadas de investimento, aperfeiçoamento e desenvolvimento tecnológico, o SNS chegou ao ponto mais baixo. Ao que tudo indica, o dinheiro e o progresso deram cabo do sistema. Talvez seja melhor reduzir o orçamento para a saúde e voltar aos tratamentos com sanguessugas, a ver se recuperamos a glória do passado. Assim, com o maior orçamento de sempre, já se percebeu que não dá. Há urgências fechadas e pessoas a dormir à porta de hospitais para conseguirem ser atendidas. Em algumas especialidades, a lista de espera pode ultrapassar dois anos. Até certo ponto, é normal. Como se sabe, os estudantes que querem entrar em medicina têm de obter notas altíssimas. É justo que os doentes também tenham de fazer um esforço grande para conseguir uma consulta. Quem quer entrar no SNS tem de trabalhar muito — seja como médico, seja como paciente. Só assim podemos garantir que estão lá tanto os melhores médicos como os melhores doentes. Não faria sentido termos excelentes médicos a tratar de doentes de baixa qualidade. Esta é uma boa forma de separar o trigo do joio. Quem aguenta dois anos até ser chamado, ou tem saúde para acampar à porta de um hospital, demonstra que tem valor para ser examinado. Sempre achei, aliás, que o problema do SNS eram os doentes. Ao fim de 44 anos de funcionamento, as pessoas teimam em continuar a adoecer, contra todas as melhores práticas. Em Junho do ano passado, Graça Freitas avisou: “A pior coisa que nos pode acontecer é adoecer em Agosto.” E acrescentou: “Agosto não é um bom mês para ter acidentes ou doenças.” No dia seguinte, Marcelo Rebelo de Sousa disse: “Cada qual fará um esforço para não estar doente.” Mas os cidadãos, como sempre, desprezaram os conselhos das autoridades de saúde e foi assim que chegámos a este estado. Novembro veio juntar-se a Agosto como o pior mês para estar doente. Dos 12 meses do ano, estes dois já estão assinalados. Espero que se continue a identificar os piores meses para que, por exclusão de partes, consigamos descobrir qual é o melhor mês para estar doente em Portugal, e possamos todos agendar as nossas maleitas para essa altura, em vez da actual balda em que cada um fica doente quando lhe apetece.

Sendo certo que os doentes têm tido um comportamento lamentável, não é menos verdade que os médicos podiam perfeitamente fazer um esforço para resolver o problema. Insistem em queixar-se das horas extraordinárias, o que é um sinal de má vontade. Se a regra é haver horas extraordinárias, elas deixam de ser extraordinárias. Está na palavra: o que é habitual não é extraordinário. O ideal seria termos um sistema parecido com o do horário de Inverno. Ainda agora atrasámos os nossos relógios uma hora, para fazer face ao período que se avizinha. No SNS chamar-se-ia horário de inferno. No fim do dia, os profissionais de saúde atrasariam os relógios 48 horas e continuariam a trabalhar. Na quinta-feira, voltava a ser terça. Não é assim tão difícil. Não quero ser desagradável, mas começo a sentir que não mereceram aquele prémio de terem a final da Champions de 2020 em Lisboa.»

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